Dia 12, despedida.
Acordei no horário, mas com um mal-humor daqueles. Era nosso último dia no Summer Camp.
Logo depois do café da manhã, os adolescentes teriam que preparar suas encenações sobre o dia. Subi com o grupo que fazia parte e enquanto eles discutiam e trabalhavam, eu fiquei transcrevendo uma música em russo para o meu caderno. Bom, se algum russo vir aquilo, certamente não entenderá nada, se algum brasileiro vir aquilo, também não. Escrevi os sons russos do jeito que poderia lembrar de como canta-los depois. O refrão conta como o coração do apaixonado parou e depois suspirou, quando viu a amada. "Maior ciêrtzça astavilos/Maior ciêrtzça zaimiárolá". Ainda assisti um dos ensaios em que cada um dos instrutores era representado. Quem me representou foi um dos "garotos problemas" lá do começo da semana. Ninguém mais é "problema" de ninguém e nem de nada, inclusive esses dois se mostraram grandes homens. Na encenação eu era o que se esforçava em dizer alguma coisa, em russo, depois procurava o dicionário para dizer outra coisa, mas todos respondiam, em inglês, á indagação que, ainda, nem havia feito. Explodi em risos.
As apresentações começariam depois do almoço. Todas elas correram como planejadas e eu, também, tinha que apresentar alguma coisa, mas antes resolvi presenteá-los com uma lembrança do Brasil. Antes de entregar o que havia trazido, perguntei o que eles conheciam sobre o Brasil e falei sobre algumas coisas. Perguntei o que eles conheciam sobre a Amazônia e alguém responde: "Piranha!" Pronto, agora sabiam meu presente para os meninos. Brinquei um pouco e contei que as piranhas comem outros peixes, gados e, ocasionalmente, algum humano perdido. Entre essas explicações, procurei alguém que estivesse mais assustado e admirado com essas histórias. Era Sascha, uma menina de 14 anos. Aproximei-me bem dela e, sem que percebessem, já tinha uma piranha (chaveiro) na minha mão. Perguntei á Sasha se ela já havia visto uma piranha. Ela disse que não. Então revelei. Suspiro assustado. A pobre se assustou com os dentes da piranha. Presenteei as meninas com outro tipo de chaveiro, que consiste de uma semente (acho que é Pau-Brasil, pelo menos eles acham que é) e algumas fitinhas do Senhor do Bonfin presas a ela. Tudo bem colorido. Foi suficiente para o grupo todo. Depois teria que fazer uma apresentação. Arrumaram um violão e eu, que só toca para a platéia de um só, tive que tocar para a turma toda. Violão, pose, algumas notas, pedi palmas e cantei... cantei meia estrofe e a voz me falhou. Toquei mais um pouco sem cantar, tentei novamente e mais uma vez a voz falhou. Olhei para a minha platéia, que já não entendia nada, fui para o refrão e parei. Suado e envergonhado, agradeci e saí.
Falar é fácil, tocar não.
Um outro instrutor mandou bem. Tocou duas canções russas, daquelas que são velhas, mas todo mundo conhece. Uma outra instrutora, com a ajuda do irmão que tocava o piano, cantou alguma outra canção russa e logo iríamos para a última atividade com todos juntos. Fizemos um grande bate-papo e graças a Serguey, que traduziu tudo, entendi tudo. OK, menos uns bla-bla-blas que Serguey recusou-se a traduzir. Nos abraçamos e nos preparávamos para descer para o jantar, quando um dos "ex-garoto problema", subiu com um presente. Alguns dias antes, eu o vi usando um sinto em que a fivela é uma foice e um martelo. Mesmo com um inglês ruim, ele me respondeu que havia comprado em Moscou. Esse foi meu presente. Tentei argumentar e dizer que não, que não era certo, mas ele colocou na minha cintura. Isso me emocionou muito. Vim para cá preparado para encontrar pessoas frias, mas me surpreendi muito com a Rússia. Talvez seja o verão, talvez seja a idade, mas acho que quis ver a Rússia através dos muitos estereótipos existentes e errei. Volto para o Brasil e sei que os russos, salvo alguns itens, são muito parecidos com os Brasileiros.
Tatyana iria embora hoje. Fui com ela até o meu quarto e presenteia com uma piranha e um batique com uma paisagem nortista do Brasil. Expliquei que eram pescadores e uma igreja (como se precisasse explicação). Ela agradeceu e nos abraçamos por alguns minutos. Quando nos separamos, ambos tinham os olhos cheios de lágrimas. Como essas coisas nos pegam quando não esperamos? Eu não sei e agradeço por não saber. Logo ela estará em Moscou e eu no Brasil. Isso não significa que "voltaremos à realidade", pois a realidade nos acompanha sempre. Aqui ou lá, é minha vida e minha vida é só minha. O que aconteceu aqui, não precisa morrer aqui. Seja lá o que será agora, o tempo dirá.
Tínhamos quase uma hora antes de irmos para o passeio de barco noturno, por São Petersburgo, mas fui convocado a terminar a apresentação sobre um projeto que fazemos no Brasil. Tatyana me pediu meu caderno de viagens e minha Moleskine, entreguei e desci para terminar o trabalho.
Encontramos-nos, todos, no térreo. Iríamos de metro até o "ponto das balsas". Tatyana apareceu de mochila e foi até o metro. Fora do Metro, nos despedimos, quando todos já haviam entrado. Entrei no metro, sem olhar para trás. Estava na escada rolante, meio jururu, e sendo escoltado por alguns adolescentes que perguntavam se eu estava bem. Claro que estou bem. Vamos em frente. As linhas do metro, por aqui, são bem profundas e a descida na escada rolante sempre leva, pelo menos, uns dois minutos. Enquanto vasculhava o perímetro, com os olhos perdidos, vi uma figura conhecida. Tatyana estava na escada rolante, há apenas uns quatro degraus acima. "Maior ciêrtzça zaimiárolá". Ficaríamos mais uma estação juntos. Ela desceu do vagão e sorrindo, fitou-me com aqueles grandes olhos, que dessa vez estavam mais brilhantes. Enquanto as portas se fechavam, senti que minhas pernas queriam correr em direção a ela, mas não o fiz. O trem partiu e continuamos nos olhando. Senti medo. Talvez aquele fosse nosso Adeus. Pensei em voltar, mas segui. Ainda recebi uma mensagem dela, no celular, que dizia se sentir amargamente triste. Nem me diga.
O passeio de balsa noturno foi bacana. As fontes dançantes, ou cantantes, foram bacanas. Voltamos para o Hotel e dormi.
Paká
4 comentários:
O que você tocou??
Hmm.. temos muito o que conversar em Koeln daqui uns dias... :-)
ahahahaha Anna Julia. hahahaha
Hahahaha... mesmo??
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