14 setembro 2015

Trompete



- Tá bom! Você venceu! O Uruguai não é um Estado tampão! - Assim Jorge deu-se por vencido nessa, aparentemente, infinita discussão com a geógrafa Luísa.
- Não é questão de ganhar a discussão, são os fatos. Os uruguaios lutaram para ser uruguaios.
- Tá! Um brinde aos uruguaios!
- Humnn... Saúde!
- O que você fez de bom no final de semana? - perguntou Jorge tentando trocar de assunto.
- Toquei trompete.
- Isso é eufemismo para alguma coisa?
- Nada de eufemismo.
- O fim de semana todo?
- Claro que não. Esse foi o ponto alto.
Jorge não sabia exatamente como continuar a conversa. Luísa era apenas uma conhecida desconhecida.
- Que legal. Trompete! – Disse Jorge sem saber como continuar a conversa, mas incapaz de trocar de assunto – Faz tempo que você toca trompete?
- Não. Um ano, um ano e pouco. É bom para relaxar. Respiração e concentração. Na sexta à noite, peguei meu carro, fui para o meio do mato, parei e toquei.
- OK... – Responde um incrédulo Jorge.
- Cara, é sério! – Respondeu Luísa.
- Acredito. É que... Por que você iria até o meio do mato para tocar trompete?
- Porque é silencioso. – Respondeu Luísa.
Luísa e Jorge não compartilhavam a mesma opinião sobre o que é o “silêncio”. Jorge achava que o silêncio era apenas a ausência de som, enquanto Luísa não. A conversa continuou. Jorge perguntava. Luísa respondia. Jorge explicava. Luísa ouvia e, aos poucos, foi se iluminando a escuridão do desconhecimento mútuo.

Hoje, passados anos da discussão sobre a origem do Uruguai, Luísa toca seu trompete e Jorge a ouve em silêncio. 



06 setembro 2015

Cheiro



       Um casal de noivos caminha em um shopping qualquer de uma cidade qualquer. Depois de horas caminhando, buscando móveis para a casa na qual irão viver depois do casamento, chegam à praça de alimentação.
       - Nossa! Sente o cheiro disso? – Pergunta o noivo.
       - Quê? – Responde a noive.
       - Esse cheiro! Cheira como infância. Minha infância!
       - Tá louco? Tem cheiro de BigMac!
       - Isso não. Tem cheiro de pão de forma com queijo, mas não é só isso. Tem cheiro de pão de forma com queijo, achocolatado e maçã.
       - Que cheiro específico, hein?
       - Minha mãe botava isso na minha lancheira. Sempre o mesmo lanche até a oitava. Aqui tem cheiro da minha infância.
       A mulher ouve tudo aquilo, olha para aquela gente devorando seus hambúrgueres, olha para seu noivo e nada diz.
       - Com 33 anos mataram a Jesus. Com 33 um português descobriu o Brasil. E eu? O que faço?
       - Eva Perón morreu aos 33 – Complementa, sem jeito, a noiva.
       - Verdade... – Diz o noivo, enquanto pensava aonde sua vida chegara. Sabia que não podia retornar. Tudo vai para frente e para a linha de chegada.

...

       O casamento foi incrível. Pouco tempo depois engravidaram, tiveram um filho e hoje é seu primeiro dia de aula. O, agora, marido, prepara a lancheira do filho, mas o cheiro não é mesmo de sua infância, embora se esforce na tentativa de reproduzi-lo. Enquanto prepara o lanche, deseja que seu filho faça as coisas que ele não fez e assim queremos acreditar que somos imortais.


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