04 julho 2008

O dia em que caí.

Estava tudo planejado, combinado, pago, conferido e acertado. Já havia conversado com outros que haviam feito o que eu planejara e sabia das complicações e, principalmente, dos benefícios do que buscava.

Foi assim que me preparei para saltar de bungee jump.

- Acorde cedo e vá até o ponto de encontro. – Foi assim que me informaram o que deveria fazer hoje de manhã.
Embora fosse verão,  uma linha fria corria, teimosamente, por todo o corpo e misteriosamente despencava como uma queda d’água em meu ventre. Nunca soube precisar se este frio era endógeno ou exógeno, porém, para tal descrição, não se faz necessário abordar tal discussão.
Creio que éramos, ao todo, quase uma dúzia de saltadores que um-por-um era pesado, etiquetado e enviado, sem demora, a kombi que nos levaria até ao local designado. Nossos algozes contavam piadas e brincavam com nossos anseios e temores, e, nem por isso descontinuaria meu plano. Já no transporte pude observar outros como eu. Tinham a mesma bagagem e vinham do mesmo lugar e, talvez por instinto, pusemo-nos a conversar e assim passamos o tempo.

- Quem é Juón ? – Perguntou um algoz com o sotaque que lhe era pertinente.
- Sou eu. -  Respondi, prontamente.
- Okay, você é o mais pesado e será o primeiro a saltar. – Não notei qualquer desmerecimento em seu comentário.

Enquanto o transporte subia por entre as montanhas e passava rente a altas ribanaceira, sentia que aquela linha de frieza, que a pouco desenbocara em meu estômago tomava outro rumo e, ao mesmo tempo que sugava a saliva da minha boca, se enroscava junto a minha garganta.

No cume da montanha recebemos nossos equipamentos para o salto e algumas pequenas instruções. De alguma forma meu domínio da, então, falada língua foi reduzido a um escasso vocabulário apenas para a sobrevivência. Pouco depois percebera que o salto seria realizado no vão entre a montanha que estava e a montanha vizinha. Entre estas duas montanhas havia uma pequena casa, ou um teleférico, se preferir, conectado a terra firme apenas por alguns cabos de aços. Porém, tal teleférico, não se movia. Havia uma pequena gaiola que levaria os desafiadores da morte até o topo de seus próprios arranhas-céu e por este caminho me meti. Fazia comentários a esmo com outros ocupantes da gaiola, a fim de evitar a vista que se criara abaixo de nós e acho que obtive sucesso, tanto para mim, como para os outros.

Seria o primeiro a saltar e logo fui conectado aos dispositivos necessários. Ainda não acreditava que minha vida seria posto a prova e que minha salvação estaria concentrada em algumas centenas de fios de elástico. Desses elásticos de escritório. Caminhei a curtos passos até a rampa de salto e me imaginei em um navio pirata, mas, desta vez, não me espetavam as espadas e a meus pés não haviam tubarões a nadar no mar e está ausência de mar era assustadora.

- Olhe para o horizonte e pule. – Instruíu-me um algoz.

                Respirei fundo enquanto aguardava a contagem e regressiva e ao término da contagem, quando deveria pular, faltou me a coragem e gritei: Espera, espera!

                - Poderia me empurrar? – Pedi, gentilmente.

                - Não, você tem que fazer isso sozinho. – Respondeu, também, gentilmente.

                Lá estou eu, a um passo do infinito e a segunda vez seria diferente. Respirei fundo, olhei para o meu destino e saltei.
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Logo no  primeiro segundo o corpo se fecha, os olhos se abrem e a cabeça quer voltar para o porto seguro. Este primeiro segundo, caso algum dia seja passível de medição, é um dos segundos mais demorados da nossa vã existência, possivelmente equipara-se á alguns primeiros beijos, a algumas conquistas infantis, ou não, talvez á experiência, ainda não adquirida, de ser pai, mãe, avô ou avó ou a qualquer outro nobre sentimento que lhe faça por querer.
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Mais alguns metros. O corpo alcança mais velocidade e o porto seguro já é uma ponte que permanece aguardando e sempre estará lá, mas isso não importa agora. Quero velocidade, quero sentir o vento em meu rosto, sentir minhas pernas sobre mim, não sentir minha respiração e aproveitar a falta que ela não me faz.
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                O mergulho chega ao fim e voltamos alguns metros em direção ao porto, mas recuamos e agora sentimos que o peso não existe, voltamos ao mergulho, recuamos, mergulhamos, recuamos e, por fim, gozamos.

                O retorno a base é lento. Mesmo seguros, sentimos a necessidade de nos jogarmos na vida novamente. Sabemos, agora, que é uma boa experiência, queremos repetir o feito e, também, queremos compartilhar com os amigos da caverna o que se passou á luz do dia. A base estará sempre lá, mas não será do mesmo jeito para os aventureiros. Há sempre um outro mergulho a ser dado e este sabe que não será o último.

                        Cada um tem, ou deveria ter, seu mergulho. Qual é o seu?