29 julho 2007

05-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 4, ainda é difícil de entender.

Acordei, por volta das 9 horas, com uma vontade de continuar a dormir, como isso fosse alguma novidade, mas acordei mesmo assim. Hoje fui visitar o mausoléu de Lenin, fui de metro e até insisto em dizer que agora vou para qualquer lugar, em Moscou, de metro. Já entendi o esquema de cores e transferências e com  meu esquema de contar estações, já que é impossível entender a próxima estação nos avisos do maquinista, tem funcionado muito bem. Reparei na quantidade de câmeras que existem nas estações e nos funcionários, em sua aparência de aposentados, observando todo movimento na estação. É impossível não pensar que isso é um resquício comunista, como indicara George Orwell, em 1984 (O livro, não o ano.)

Cheguei á praça Vermelha, a fila, para visitar Lenin, já havia alcançado a praça Aleksander (uns 500 metros) e fui para o final da fila. Assim que cheguei, alguém se aproximou e perguntou se eu falava italiano, alemão ou francês. Antes que pudesse responder, ele foi informando, em inglês, que eu poderia furar a fila por um precinho, disse que era guia e que a espera na fila era de, pelo menos, duas horas. Agradeci e disse que não. Não vim de um lugar que furamos filas o tempo todo, apesar de adorá-las, para furar fila na Rússia. Iria aproveitar a espera forçada para tirar algumas fotos dos soldados, da praça e turistas. Mais tarde o mesmo guia voltou oferecendo, novamente, seus serviços e disse que podia organizar um grupo e que o preço cairia significativamente. Sem pestanejar, recusei. Quando estava quase chegando ao início, ou fim, da fila uma guia, bem mal-educada passou empurrando e seguida por um grupo de aproximadamente umas 20 pessoas igualmente mal-educadas. Todos chineses. Será que estamos trocando seis por meia-dúzia nessa coisa de potência mundial?

Existe um extremo sistema de segurança para visitar, á toque de caixa, a (eterna?) morada de Lenin. Máquinas fotográficas, celulares com câmeras embutidas e uma série de outros itens são terminantemente proibidos de passar pelo mausoléu. Tive que deixar tudo na chapelaria, por um preço justo. Imaginava que seria um tumulto daqueles passar pelo mausoléu, mas achei bem tranqüilo. Soldados indicam o caminho com gestos rápidos, entre pedidos de silêncio e olhadas ríspidas - Parecem robôs. O corpo de Lenin é exibido no nível inferior da entrada (e da praça vermelha) e depois do horário de visitação é baixado para uma câmara frigorífica que garante a mesma frescura por mais de 50 anos. A cada 18 meses o corpo é enviado para universidade de Moscou, onde recebe mais uma demão de cera e um banho de produtos químicos. O mausoléu é escuro, frio e tem um cheiro, pode ser psicológico, de morte. Por sorte, pude observar muito bem os restos mortais. Enquanto descia a primeira escada, percebi que uma velha senhora russa precisaria de um braço para descer as escadas e fui ajudá-la, sendo assim pude fazer, a passos idosos, todo o percurso. Dizem que Lenin esta encolhendo, mas a iluminação é baixa e a parte iluminada e descoberta só me permitiu enxergar suas mãos e cabeça. É estranho acreditar que aquilo é um corpo real e talvez não seja. Não duvido dos avanços médicos, mas o corpo parece o de uma boneca de plástico. É um corpo pálido que se custa a creditar autenticidade. A coisa mais estranha é a orelha, que esta cheia de cera (hohoho) e parece de plástico. Vou escrever um e-mail para o Ombudsman do mausoléu e pedir para que arrumem aquela orelha ou uma orelha melhor. Atrás do mausoléu encontra-se o tumulo de outros ex-lideres soviéticos, inclusive Stálin que logo após a sua morte foi mantido ao lado de Lênin, mas depois que seus crimes foram revelados em uma convenção do partido único comunista, foi removido e enterrado atrás do mausoléu. Dizem que o corpo de Stálin foi removido porque a mãe de alguém importante foi visitada, em sonho, por Lênin, e este disse que não queria dividir seu mausoléu com Stálin. Eu gosto mais da segunda versão.

Saí do mausoléu e peguei o metro para o museu da II Guerra Mundial, onde me encontraria com Nikolai. Infelizmente o museu estava fechado, pois sempre fecha na última quinta-feira de cada mês, para manutenção. Gostaria de agradecer o guia Lonely Planet por sua nona mancada. Encontrei Nikolai e fomos para o museu de arte da Rússia, onde se encontram as principais obras produzidas por artistas russos. Só me falta conhecimento para descrever o que vi. Existem quadros, esculturas bacanas e como em todos os museus, gente fazendo cara de sabichão, mas sem saber nada.

Fomos almoçar, novamente, em um restaurante Geórgio, mas dessa vez a sobremesa seria o papo político com Nikolai.

Quantos aí já tentaram entender o que é socialismo ou comunismo? Eu já e achava que sabia, mas quantos aí já tentaram entender como era a vida em um regime comunista? Eu já e achava que já sabia. Como é usar a mesma roupa que seus vizinhos tem? Usar a mesma TV, que todo mundo tem? Comer da mesma marca, que todos os parentes comem? E a lista vai ad infinitum. Tudo era produzido e propriedade do Estado. Os donos dos supermercados, por exemplo, recebiam mais pela função que desempenhavam, mas todo o lucro obtido ia para o Estado. Enquanto isso, quem não queria trabalhar, também levava um troco no final do mês. Nikolay disse que era tudo muito barato. Disse que todos eram iguais e, obviamente, o dinheiro não era tão importante. Podiam viajar, mas apenas dentro da URSS ou para outros países satélites. Devido à guerra fria, todo o lucro do estado ia para o desenvolvimento de material bélico. Imagine só, um povo que é capaz de produzir mísseis intercontinentais ou enviar pessoas ao espaço, mas não tem idéia do que é um videogame. A ignorância é, realmente, uma benção. Independentemente de sistema político, é interessante observar que se não fossem as comparações entre estes sistemas, possivelmente a URSS existiria até hoje. E o que temos agora? O melhor sistema, ou estamos em uma fase antes de voltarmos no tempo e começarmos tudo de novo? Darwin talvez pudesse ser aplicado, mas acho que os tempos imperiais estão de volta.

Estou procurando músicas russas. Já sei cantar Kalinka, mas quero algo mais. Sabem aquelas canções russas com acordeom e um ritmo de polca (É a única associação que consegui fazer), pois bem, sempre soube que aquilo era música russa e imaginava que eram músicas que se ouviam em festinhas e churrascadas, mas nada, aquele estilo musical é o rap deles. As letras falam sobre crimes, cadeias e a vida no crime, em geral. Esse estilo musical se chama rúski chanson, ou algo assim. Certo, mano?

Voltei para o hotel e pedi informação, no lobby, sobre como lavar minhas roupas, descobri que deveria falar com a moça responsável pelo meu andar e que ela lavaria, mas chegar a esta  informação tomou uns 10 minutos e diversas consultas ao guia de conversação. Foi extremamente válido e divertido. Só espero que minhas roupas voltem limpas. Assim que entrei no quarto o telefone tocou, era a Ekaterina, da China, querendo saber do meu dia e informar sobre a ida á São Petersburgo. Falamos por mais de uma hora, sobre trabalho, vida e viagens. Ela adora dizer que eu sou jovem e que certas coisas virão, para mim, com algum tempo e experiência, mas mal sabe ela.

Paká



04-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 3, pouco sono e muitos sonhos.

Dormi pouco esta noite. Fui dormir tarde e acordei por volta das 4 h da manhã, sem sono. Pensei que estava ficando doente e acho que estava, mas não iria me deixar abater. Fiquei olhando pela janela por um bom tempo e o tempo bom que fizera nestes dois últimos dias foram embora. Ao longe reparava em alguns raios, de perto a rua molhada e em cima algumas nuvens, que já não molhavam mais nada. Tentei voltar a dormir e não consegui. Assim, fiquei assistindo TV e lendo sobre cultura e antropologia, em um livro do Laraia (como somos íntimos).

Ontem combinei, durante o jantar de negócios, que seria apanhado por uma colega russa de trabalho, a Irina, que me levaria ao trabalho. Ela havia me dito que enviaria uma mensagem por celular informando quando me pegaria, pedi que ela me ligasse, mas ela re-confirmou o envio da mensagem. Não insisti. Tomei café da manhã e até às 9 h nenhuma mensagem. Preferi voltar a dormir, prometendo a mim que ligaria para o escritório mais tarde e assim que adormeci o telefone toca e sou convocado, por Irina, a descer, pois ela me aguardava na recepção e me levaria ao escritório. Banho rápido e vamos lá.

O escritório fica em um prédio agradável, também no norte de Moscou, fica próximo a um parque e uma lagoa (como se fizessem um prédio de escritórios dentro do Ibirapuera). A empresa é locatária de dois andares dentro da universidade gráfica de Moscou e divide o show room de nossos equipamentos entre demonstrações para clientes e estudantes apaixonados na arte de colocar  tinha em papel em equipamentos monstruosos. Fico imaginando quando eles substituirão essa paixão, pela paixão de colocar muita tinta, em muitos papéis, em pouco tempo e por muito dinheiro.

Cumprimento os funcionários, enquanto me acomodo. Tento falar algumas palavras em russo, mas logo volto para o inglês e percebo que será um dia de trabalho solitário, para mim, no trabalho, já que apenas duas, das seis pessoas falam inglês a ponto de estabelecer uma duradoura conversa. Tudo bem, eu vim aqui para "trabalhar" e a conversa pode esperar. Em pouco tempo, acompanhado de meu guia de conversação, me faria de palhaço ou de viajante bobinho e me comunicaria com os locais. A cada dia fico mais abismado em como todo é passível de comunicação. A comunicação vai muito além da palavra, embora a palavra seja um dos principais pilares da cultura, a comunicação envolve tudo. Por sorte, agradeço por ter puxado um pouco do sangue do meu avô, que tem um carisma que já me irritou, na minha infância, mas que hoje desperta curiosidade e uma boa inveja. Tudo bom, papos feitos, gelo quebrado, fui checar meus emails. Nada demais, alguns emails curiosos de amigos, outros profissionais ( a maioria) e alguns SPAMs vendendo VIAGRA pelo menor preço (O marketing da Pfizer é, mesmo, muito bom. Já estão anunciando para um futuro público potencial impotente). Respondi meus emails e comecei a explicação do projeto que fazemos no Brasil e começou na Australia para a funcionária russa. Não foi uma tarefa fácil, tive que explicar bem devagar e desenhar um pouco, mas com paciência e algumas consultas ao dicionário, deu tudo certo. Fui almoçar com duas colegas, Pavla, a estagiária Tcheca e Irina, e elas não paravam de falar, em russo. Foi engraçado estar do mesmo lado dos colegas que vão ao Brasil e não falam português e nós, brasileiros, as vezes por costume e/ou por sacanagem, só falamos em português. Voltei do almoço e trabalhei nos dados do cliente russo, terminei, apresentei e há pouca coisa que possa ser feita com isso, porém chegaremos lá. Mais tarde fui informado que daria uma volta por Moscou com Nikolai e Irina (a funcionária) e depois jantaríamos em algum lugar. Hora certa, me despedi e saímos.

Moscou é uma cidade radial. Existem alguns anéis que circundam a cidade, algo como um rodo anel urbano que parece uma 23 de maio, a avenida paulistana que liga tudo. Já reparam que a 23 de maio esta em, pelo menos, uns 50% de todos os caminhos que fazemos em São Paulo? Quando digo 23 de maio, ignoro os demais nomes que ela tem, como Rubem Berta e Washington Luis, pois para mim a 23 de maio começa no extremo sul de São Paulo, Interlagos e vai até a Zona Norte. Esqueci o bairro. Enfim, Moscou é uma cidade radial. Segundo os Moscowitz, Moscou tem a forma de um relógio e os pontos cardeais foram, informalmente, substituídos pelas horas em um relógio. Quem vai para o Norte diz que vai para às 12, quem vai para o Sul diz que vai para às 6 e por aí vai.

Tivemos que dar a volta por Moscou inteira até chegar na universidade de Moscou. Em alguns momentos, quando ignorava os anúncios em russo, tinha plena certeza que estava em São Paulo, devido ao trânsito infernal. Chegamos á universidade e tirei muitas fotos e acho que ficaram boas. Passeamos mais um pouco e Nikolai queria, de qualquer forma, me mostrar um bairro e lá vamos nós ao novo bairro comercial de Moscou, que é basicamente o site de construção de uma série de prédios comerciais e, entre eles, o mais alto prédio da Europa. Estranhei a vontade que Nikolai tinha em me mostrar aquilo, mas aquilo é um grande cartão de visitas para uma economia em crescimento, queiram os críticos ou não. Depois de tanto trânsito estávamos com fome e Nikolai nos levou em um restaurante Georgio (da República de Geórgia, no Cáucaso), fiquei empolgado com a decisão, pois tenho uma amiga de lá e vai ser legal contar para ela que comi sua comida nativa. Quando fui informado que comeríamos um típico churrasco Cáucaso, tive que falar das churrascarias no Brasil, mas quando provei as diversas carnes no prato em que nos deram. Agradeci por aquilo. Pois é, amigos: Pensava que poderíamos colocar as churrascarias na lista de bens, único, tipo-exportação, mas os "caras" já chegaram lá. Comemos muito, como em uma churrascaria e esqueci da minha possível doença.

Foi um bom e tranqüilo dia.

Paká.

25 julho 2007

03-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 2, mas um dia.

Tive alguns sonhos ruins, essa noite. Eram sonhos curtos, mas com finais espantosos. Algo como: curtas de terror, mas sobrevivi a todos eles e acordava assustado. O último susto foi às 8 horas da manhã e o sol batia no meu rosto anunciando mais um dia de verão russo.

Tomei banho e corri para tomar o café da manhã, provido pelo glorioso hotel em que estou hospedado. Se não tivesse vontade de aprender o mínimo que seja de russo, acho que ficaria irritado em não conseguir me comunicar, em inglês, com os funcionários do hotel. Que bobagem. Sabe, meu russo tem melhorado a cada dia, se ficasse aqui mais três anos... No lobby, enquanto tentava descobrir a estação de metro mais próxima, fui indagado, em inglês, por uma senhora russa, que tinha um cartaz com o nome da empresa para qual trabalho, "Você trabalha aqui", enquanto apontava para o cartaz. Respondi que sim. Infelizmente esqueci o nome da senhora, mas lembro que é algo como Lúria. Ela será minha guia pelas próximas horas. Nosso motorista é russo e se chama Slava e tão logo é informado de minha nacionalidade ele me mostra um jornal e diz "Wagner Love, Harashón!". Não lembro o que respondi. Tentei lembrar de algum nome dos milhares de esportistas russos que ganharam medalhas nas diversas olimpíadas, mas nada. Hoje nosso roteiro é tranqüilo. Passearíamos por algumas ruas enquanto a guia me contava milhares de histórias sobre Moscou, entre elas à razão, ou umas das possíveis razões, para o nome Moscou. Disse-me que Moscou deriva da junção de duas palavras: Musgo e Sapo. Disse que aquela era uma região muito úmida, achei engraçado e porque não?

Passamos pelo museu da II guerra mundial, que provavelmente visitarei nos próximos dias. Depois fizemos uma parada na faculdade de Moscou e no mirante da cidade. Infelizmente todo conhecimento que adquiri durante a viagem não será colocado aqui, mas espero que sirva de convite para quem quiser conhecer a Rússia. Durante as paradas, tentava descobrir como era a vida nos tempos de URSS. Ela diz que pouco mudou e desviou o assunto, mas senti um pouco de nostalgia nos olhos dela. A próxima parada foi em um cemitério onde a nata intelectual, política, artística e etc russa esta enterrada. O primeiro tumulo a ser visitado ainda esta fresco (Que trocadilho bacana, não?) e é do ex-presidente Russo e embaixador da Vodka, o meu amigo: Boris Yeltsin. Continuamos o passeio pelo cemitério e pelas histórias da Rússia, como a de ministros, aviadores, músicos, bailarinas, militares, homenagem a mortos em guerras e a do ex-presidente russo: Nikita Khrushschev, que, em minha opinião merece lugar entre os maiores devido a sua postura na crise dos mísseis, em Cuba. Para quem não conhece a história, durante a Guerra Fria, Kruschschev enviou mísseis para Cuba afim de criar um enclave russo nas Américas, mas claro que o presidente americano, John F. Kennedy, embora os EUA tivessem diversos enclaves na Europa, não poderia permitir. Essa crise, por muito pouco, poderia esquentar a Guerra Fria. Durante as negociações, Khrushchev escreve (telex, em código) ao presidente americano: "Você e eu não deveríamos puxar os finais das cordas nas quais você deu um nó de guerra, porque quanto mais forte puxarmos, mais apertado esse nó se tornará. E virá o tempo em que esse nó será tão apertado que quem os atou não será mais capaz de desatá-los...porque você compreende as forças que nossos 2 países possuem". Porém a diplomacia permaneceu e as palavras abaixo, de Khrushschev, deram por fim o fim na crise dos mísseis de Cuba, ou a crise da Bahia dos Porcos:

“Estimado Senhor Presidente:
Eu recebi sua mensagem de 27 de outubro de 1962. Eu expresso minha satisfação e gratidão pelo senso de proporção e compreensão da responsabilidade nascida por sua presente preservação de paz no mundo..."

God save the Internet.

Continuamos o passeio e fomos ao Kremlin. O Kremlin é o começo da Rússia e seu o fim. Ali a história começou e é feita, mas não é sempre assim. A sede do governo russo fica ali, mas o impressionante são as igrejas e o quanto a religião foi e é poderosa. Igrejas com domos folhados a ouro e como Czares russos utilizaram esse instrumento. "A religião é o ópio do povo", como outro ministro soviético declarou, mas não o vejo assim. A religião é necessária. Ela consegue explicar o que não conseguimos entender e preenche os vazios que a ciência e nosso cérebro não têm condição, ainda, de entender. Fato interessante: nas igrejas católicas ortodoxas, além de uma arquitetura e pintura particular, percebi a ausência de bancos e de espaço para os possíveis fiéis. Minha guia disse que antigamente as pessoas ficavam de pé e haviam dois tronos; um para a mulher do czar e o outro para o chefe da igreja. Mas não é que Ivan, o terrível, (como era conhecido o Czar Ivan IV) mandou construir um trono para ele também e lembrar a igreja que ele era mais do que a igreja? Antigamente, isso antes de Príncipe Charles e Princesa Diana, eu pensava que os reis não podiam se casar mais de uma vez, mas não foi a coroa britânica a lançar essa moda. Na verdade, novamente, Ivan, o terrível, foi casado sete vezes. Ivan não tinha muita sorte. Toda vez que ele estava engatando um casamento, infelizmente, sua esposa morria envenenada ou era enviada para um convento. Muito triste.

A última igreja que visitei foi a do arcanjo Miguel (Acho que essa é a tradução correta). Lá, por sorte, ouvi uma apresentação de cântico gregoriano. Sempre achei que isso era música chata, mas depois gostei muito.  Minha guia, enquanto assistia a apresentação, foi atrás de um guia de Moscou, em português, para mim. Não sei se isso estava incluso no preço, mas ganhei o tal guia de presente e ainda ganhei umas moedas da URSS que, segundo ela, não se acha em todo lugar. Ótimo presente para um internacionalista.

Querendo ou não, a Rússia já entendeu o lance do capitalismo. Vi alguns mendigos pedindo dinheiro aqui e ali e quando perguntei sobre o assunto a única resposta que tive foi: Coisas do capitalismo. Existem sócias de Lênin, por questões históricas e a de Putin, por popularidade, andando pela praça vermelha. Os senhores são requisitados, a todo tempo, a posarem em fotos com turistas e russos e ainda ganhar um troquinho.

Mais tarde dispensei minha guia e resolvi ir almoçar sozinho e depois voltaria para o hotel, de metro, sozinho e contrariando os pedidos de minha host russa voltei para o hotel de metro e sem problema algum. Não entendo nada o que é anunciado nos falantes, mas o mesmo acontece aí em São Paulo. Quem já não ouviu no metro a voz metálica que anuncia "Estação São kasdk..." e os passageiros perguntam: O que?

Voltando a falar sobre as futuras exportações brasileiras, esqueci de incluir na lista as nossas novelas, bom, não nossas; deles. Estava zapeando por alguns canais da TV russa e deparo com uns rostos conhecidos. Eram atores brasileiros, representando em uma novela brasileira, falando em português e dublado, grossamente (como naquelas traduções do Discovery Channel), para Russo. Infelizmente não reconheci a novela, mas no intervalo foi anunciado, em português, mas com um bom sotaque russo, outra novela brasileira e dessa vez entendi que era a “Belíssima”. Mais tarde, durante o jantar com uns colegas descobri que as novelas brasileiras fazem muito sucesso por aqui e muitas crianças são batizadas com nomes brasileiros, mas até agora não conheci nenhum João, mas a esperança...bom, já sabem.

Por volta das 18 h fui apanhado por duas funcionárias da filial russa [da empresa que trabalho] e fomos a um restaurante Uzbeque (?) não muito longe do meu hotel. Uma funcionária será responsável por análises de produção de clientes, algo como faço no Brasil, e a outra é uma estagiária da República Tcheca, que ficará aqui por seis meses. Falamos sobre trivialidades, as presenteei com algumas gravuras do Brasil e logo mais, eu e a estagiária, entraríamos em uma discussão sobre cultura e globalização. Ela é Tcheca e diz que quer ter e criar seus filhos na Rep. Tcheca e eu sou brasileiro (e não desisto nunca) e disse que quero criar meus filhos no Brasil, mas pensando no global. Ela quer manter as tradições, que foram passadas a ela, e repassa-las a seus filhos. Eu entendo essa vontade e por mais que me sinta Brasileiro, sei que vivemos em um mundo novo (se levarmos em consideração que a modernização tecnológica ocorrida nas últimas décadas, internet, criou uma disjunção entre tempo e espaço) e pensar global me ajuda entender que há diferenças no mundo e ponto. Infelizmente não é possível escrever muito sobre esse assunto, sem entrar em muitos outros, como filosofia, globalização, imperialismo cultural, antropologia e etc. Só posso dizer que foi uma animada conversa e inspiradora. Provavelmente, quando me aposentar e ir morar em Praga, terei muito que conversar com as jovens, Tchecas,  aposentadas - Não necessariamente nesta ordem.

Eu, que adoro uma conversa pseudo-política-história-social, não pude evitar e aproveitando que um russo se juntou a nós, logo perguntei sobre a URSS e como os Tchecos se sentiam em relação ao terem sido um satélite soviético durante a URSS. Pude perceber que a nova geração não tem problemas com a Rússia, embora os pais da estagiária não quisessem que ela estagiasse na Rússia. Em um resumo grosseiro. Hoje em dia o "problema" dos jovens Tchecos é com a Alemanha. Desde 2004 a República Tcheca faz parte da União Européia e embora seja um Estado menor, dentro de um contexto maior europeu, eles crêem que tem muito menos autonomia que antes. Entendem que não tinham outra opção a não ser entrar na comunidade, mas não gostam dessa entrada brusca de capital alemão (Europeu?) na República Tcheca. Talvez essa fosse à motivação da conversa anterior, mas é impossível seguir muito tempo nesses papos, quando faz um calor danado e já estou na minha terceira, ou quarta, caneca de cerveja.

Paká


02-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 1, mas o mesmo dia.

Acordei por volta das 10 h, horário local, e por sorte havia fechado as cortinas antes de pegar no sono, pois o sol acabaria batendo no meu rosto. O quarto é quente. O termômetro indica 27 graus. Trato de arrumar minhas coisas. Presentes que trouxe, roupas e guias para o dia. Lembro que a hoteleira falou algo sobre café da manhã no 2. andar e lá vou eu. Como todo brasileiro, chego atrasado e já não há mais café e como todo brasileiro, pergunto para uma funcionária do hotel, em inglês, como quem não quer nada, sobre o café. Ela responde algo em russo e respondo que não falo russo, em russo, ela me indica a falar com outra pessoa. Um senhor que verifica meu RG do hotel, diz alguma coisa em russo, me dá as costas e enquanto ele retorna a sua conversa com outro senhor, comunica algo à outra funcionária. Pensei em ir embora, mas como não senti nenhum sinal hostil, resolvi esperar. Logo depois a funcionária traz uma sacola plástica com o meu café da manhã. “Spassiba”, agradeço e volto para meu quarto.

Devo esperar até às 13 h, pois hoje serei  acompanhado por um amigo de amiga russa: Nikolai ou, simplesmente, Nick. No lobby, sento-me no mesmo lugar onde de madrugada havia visto as três mulheres e sinto-me um pouco envergonhado por sugerir, no artigo anterior, uma profissão á elas. Menos um para você, companheiro. Enquanto espero, aproveito para ler meu guia e confirmo minhas suspeitas sobre o hotel. Realmente acomodação em Moscou é complicada e muitos hotéis são adaptações de antigas comunidades ou vilas olímpicas, que foram construídas para as olimpíadas de 1980. Nem era nascido e, mesmo assim, sei que as coisas mais antigas (OK, mais velhas) são melhores e isso se aplica a quase tudo, como Sérgio Reis já dizia.

Observo e espero. Um homem com pouco mais de 1,80 m e com cara de brasileiro vem até mim e balbucia que soa como schaun. "Nikolai?", pergunto. "Yes", responde. "Nice to meet you, how did you know it was me?", pergunto. "Ekaterina showed me a picture of you." Isso é tecnologia, não feitiçaria. Não tinha nenhum plano, mas pelas primeiras frases percebo que iremos almoçar.

Embora a Rússia seja muito burocrática, não demoro a entender que qualquer um é um taxista em potencial. Não sei se gosto muito dessa idéia, pois me lembro dos taxistas no Brasil e, sinceramente, classifico-os na mesma categoria dos motoboys e dos que movem esse país. O processo é simples, me explica Nikolai, pare na rua e estique o braço, se o carro parar, você comunica aonde quer ir e acerta o preço; é assim que chegamos em um restaurante tipicamente russo. Nikolai tem um sotaque que lembra um pouco o do comediante Sasha Baron-Cohen, quando interpreta Borat, mas ele se esforça em praticá-lo e isso é ótimo. Ele trabalha como editor de um programa político para um canal russo e logo penso que seria fácil tirar dele algumas informações sobre as questões políticas russas, mas essa é uma tarefa complicada. Esses russos sabem o que é boa comida e bebida. Enquanto me deliciava entre escargot com panquecas, sopa de borsch, língua de vaca com picles (Aqui vale um parênteses. Deixei a cargo do Nikolai a escolha do almoço e só dei como condição querer algo russo. Logo nas primeiras mastigadas senti uma textura diferente e tentei descobrir o que era aquilo, porém sem sucesso. Não pude evitar certo desconforto quando fui informado que era língua de vaca, mas isso dura pouco e sei que meus ancestrais nordestinos já comeram coisa pior. E isso sem contar os chineses.) e, quase, uma garrafa de vodka. Se não fosse a comida, certamente, estaria bêbado, acho que fiquei um pouco, mas sobrevivi. Para um russo, a vodka deve ser bebida pura e em doses, como tequila, mas ao invés de sal e pimenta, e depois de cada dose pede-se ao alcoólatra, em questão, cheirar um pão preto. Não entendi essa tradição, mas quem sou eu para discutir a sabedoria da mãe Rússia.

Depois do almoço fizemos um passeio de balsa pelo rio Moscou, que corta a cidade. Tirei muitas fotos, mas não gostei muito. Não gostei de meus enquadramentos e cores e agradeço por poder repetir tudo isso depois. Nikolai conhece muito sua cidade e descreve quais são as edificações que vemos e alguma história por trás dela, inclusive o grande monumento, em bronze, em homenagem a Cristóvão Colombo. Pois é, esse monumento teria sido um presente para os EUA, mas recusado ficou por aqui. Nikolai não vê sentido nele. O ponto alto do passeio é passar pela praça vermelha. Todos os olhos e câmeras são atraídos por aquela grande igreja, que lembra um bolo, da praça. Logo desembarcamos e podemos ver tudo isso de perto. Pokrovsky Catedral foi criada entre 1555 e 1561, pelo tzar Ivan, o terrível. Ela é símbolo máximo da arquitetura russa e, inegavelmente, um ícone russo. Na praça vermelha, que originalmente deriva de alguma palavra russa que significa belo, estão o Kremlin, o museu de história (isso é redundante, não?) e o pequeno, porém visitadíssimo, mausoléu de Lenin. Infelizmente o mausoléu não abre diariamente, mas amanhã, certamente, me exprimirei na fila para dar uma olhada nos restos mortais de Vladimir Lenin. Passeamos mais um pouco e logo depois de um café, passamos por um monumento ao grande, inigualável, insuperável, o pensador máximo das questões filosóficas, econômicas e nascido no mesmo dia e mês deste que vos escreve, Karl Marx. Um grande monumento que lembra sua tumba, em um cemitério em Londres, e com a inscrição, em russo, novamente a mesma encontrada em sua tumba, "Trabalhadores, de todas as nações, unam-se".

Continuamos o passeio pelas ruas de Moscou e fiz algumas compras, em particular, minha nova camisa predileta em que se pode ler com a mesma fonte da Nokia, a seguinte frase:

VODKA
Connecting people

Falando em conectar pessoas gostaria de dizer, que nunca vi tanta mulher bonita,  meu pai do céu, é uma melhor do que a outra e que as leitoras não me venham falar do tempero da mulher brasileira. Quanto potencial desperdiçado. Porque Deus dá asas para quem não pode voar? Onde estão os bandeirantes brasileiros? Vamos fundar a conexão Brasil x Rússia e vamos importar essa mulherada toda para o Brasil e vamos mudar a geo-política do mundo. Imagina só, se do jeito que está já exportamos a jogadores de futebol, cachaça e modelos, imagina com uma forcinha russa? Na onda das fontes de energia renováveis, em pouco tempo, exportaríamos vodka e cachaça, quem quiser usar como combustível usa e quem quiser usar para beber, bebe. Quero ver que segura o Brasiiiilll.

É, ou não é, uma graça?

Estou cansado, o jetlag me pegou e meus pés doem. O verão em Moscou é forte. Voltarei para o hotel de metro e já conhecia as histórias sobre quão interessante é o metro aqui, mas nenhuma história chega aos pés do que vi. Na estação que embarco noto muitas foices e martelos, em vermelho, dentro de louros. Sacou? Há catracas, mas sem barras, a escadas rolantes levam mais de 2 minutos para se chegar aos trilhos, não por lentidão, mas por profundidade. Todos que querem utilizar a escada rolante, como ela deve ser usada, postam-se a direita do degrau escolhido. Tinha que tirar uma foto daquela íngreme e profunda escada rolante, mas Nikolai não permite. Insisto e até digo que iria perguntar a policial responsável pela escada rolante e ele responde que preciso de uma autorização, em papel, para fazer isso. Logo depois ele diz que se eu não for pego, não tem problema, mas não quis entrar nessa discussão. Embora ainda tenha vontade de tirar algumas fotos no metro e não apenas da escada rolante, mas das paredes de mármore, dos candelabros com 7, ou mais, lâmpadas, dos trens e etc. Quem usa o metro é o trabalhador e, para um antigo sistema socialista, quem é, ou deveria ser, o elo mais importante do sistema todo? Aproveito o assunto para lançar a campanha "Lula, vai para Rússia", mas nada de esqueminha de pintar as ruas para o "hômi" passar e nada de honrarias de chefe de estado. Quem sabe assim, no perrengue, ele lembra de como era estar do lado de cá da urna. Ok Ok, vou me segurar para não fazer um discursinho político universitário (Tudo o que é universitário esta na moda, logo mais vocês ouvirão o sertanejo universitário - E não estou brincando). Sei que a Rússia não é um paraíso, mas o companheiro Putin tem 70% de popularidade, em média, e esta fazendo esse país crescer a taxas de 7%, ao ano, quando a taxa de crescimento mundial é de 4%. Enquanto isso o Brasil cresce a pouco menos de 4% e isso é comemorado como uma vitória. Sonho.

A Ekaterina, minha amiga russa,  esta na China, mas liga muito para cá. Ela esta preocupada e não quer que eu perambule sozinho por Moscou. Ela se sente responsável por mim e tem medo que eu me perca. Pede para que eu saia com o Nikolai e tome cuidado. Até entendo, mas poxa sou Brasileiro e adquiri certa malandragem de playboy nos shoppings de São Paulo. "Aí, tá tirãno, mano?". Não prometo nada, pois sei que as más surpresas se transformam em experiências. Claro que estou preocupado e se alguma coisa acontecer comigo e alguém ler isso, eu admito que a vida tem dessas coisas.

São quase 23 h e adormeço assistindo o TV Fama local. Mundo globalizado é uma coisa, viu?

Paká


01-Diário Não-ficcional Russia - Julho/07


Depois de uma longa jornada, finalmente estou vendo a grande e iluminada cidade Vermelha: Moscou.

Porém, vamos começar pelo começo. Agora são 3h30 da madrugada de segunda-feira, 23 de agosto, aí no Brasil são 20h30 (domingo). Chegar aqui não foi uma tarefa tranqüila. Quem me conhece sabe o quanto adoro viajar, mas com a idade e os meus cabelos brancos (Sim, eles se multiplicam a cada mês) tenho mais medo de voar. Toda vez que passo por uma turbulência eu digo, a mim mesmo, que essa será a última viagem aérea, mas isso dura até o próximo convite e/ou oportunidade de conhecer esse mundão-velho-sem-porteira, sô.

Já que comecei falando de turbulência, vamos lá. O vôo de São Paulo até Munique (11 horas de vôo) foi bom, bom porque tomei 3 cápsulas de Dramin e dormi boa parte dessas horas. Embora, vez ou outra acordasse com um cutucão do meu vizinho chileno viajante ou com alguma balançada do avião e posso creditar a tranquila viagem á leve "viagem" proporcionada pelas novas companheiras sonífero-alucinógenas - Viva o Dr. Dramin! Dispensei o jantar e acordei a tempo do café-da-manhã, creio eu, já em espaço aéreo Alemão, pois no café tinha uma boa Wurst.

Gruß Gott!

Pousamos em Munique às 13 h e pouco, porém eu teria que esperar até às 21 h para embarcar com destino a Moscou. Não quis sair do aeroporto, mas não ficaria à-toa. Resolvi ir gastar o meu escasso alemão no primeiro café que vi. Pedi um Panini Pollo, sem nem pensar no que era, pedi um café-com-leite, sem nem informar o tamanho e uma garrafa de água, sem gás, no entando, sem perguntar o preço;-) Agora lembrara porque é tão caro viajar para Europa, mas que é chic, é!

Comprei uma revista sobre música e ora lia, ora ouvia músicas e hora vai e hora vem, embarquei no vôo final.

"São apenas 3 horas",  vai passar rapidinho, porém não contava com um pequeno temporal no caminho. Da janela eu via as nuvens embranquecerem com os raios, a asa pender para cima e para baixo e o reflexo do meu rosto na janelinha. Nessa hora quero ver quem é macho. Quando nos vemos em perigo o cérebro envia sinais elétricos para a parte [do cérebro] responsável pelo pensamento lógico e manda para o espaço todas as estatísticas que você, por ventura, já ouviu dizer sobre o quão é seguro voar. Como não pensar no recente acidente da TAM, em São Paulo, e todos aqueles filmes bacanas com acidentes aéreos, mas eu sou esperto e consegui enganar minha cabeça pensando pensava no filme "Vivos", aquele que cai nos Andes e os sobreviventes têm que comer carne humana para sobreviver... "Eccaaaaa", alguém pode pensar, mas eles sobreviveram, não?

Para passar o tempo, puxo papo com meu novo colega viajante. Um jovem pianista russo de 20 anos que voltava a Rússia depois de uma apresentação na Itália. Funcionou, o tempo passou e logo depois o comandante retirou os avisos de "apertem os cintos" e uma longa decida começou.

Moscou é vermelha. Vermelha e burocrática. Levei uns bons minutos observando a funcionária da imigração preencher formulários, checar dados e comparar a cara de um viajante cansado com a foto de um carinha no meu passaporte. Deu tudo certo e quando fui liberado minha mala já esta na esteira. Maravilha, agora é só pegar a mala, coloca-la nas costas e correr para o abraço. Tudo tranqüilo a empresa, em que trabalho, tem uma filial aqui e a filial russa já havia cuidado de arranjar alguém para me apanhar e me trazer para o Hotel. Maravilha, maravilha, Maravilha? Hey, Maravilha? Maravilha? Aonde esta o motorista com um cartão com o meu nome ou o nome da empresa em que trabalho? Shiiii! Nesse meio tempo um senhor com um inglês a altura do meu grego (que aprendi e, parcialmente, já esqueci, das aulas de matemática do 1. grau) oferece serviços de Táxi. Eu agradeço e digo que alguém irá me pegar, mas sem paciência volto e informo-o meu destino. "I know, I know...Its Dollar, Euro or Roubles?", pergunta o mercador de pobres turistas indefesos. "Roubles", repondo. "Its five thousand". Cinco paus? Nem fodendo! Tento argumentar com ele, mas ele chama seu interprete que já possui um inglês a altura do meu russo (Adivinha só a altura do meu russo). Depois de alguma negociação fecho por $ 2000 Rublos e tenho certeza que fui enganado.

No táxi, outro motorista, que não falava comigo. Imaginava o momento em que ele sacaria uma arma e diria algo incompreensível em russo e atiraria. Poxa, que culpa eu tenho se o imperialismo cultural americano só mostrava isso da Rússia. Alguém aí lembra dos filmes de James Bond (Eu sei que ele não é Americano), ou o clássico da sessão da tarde: Gotcha. Enfim, o rádio esta ligado e, mesmo em russo, entendo as palavras Brasil, Futebol e Argentina. "Ya Brazilian, Futebol, Harashó", digo ao motorista. Ele responde "São Paulo... Pelé... Café". Eu repondo "Vodka...Hahashó". Que bela conversa, penso eu. Já estou fazendo amigos, tudo bem que tenho que pagar a viagem, mas viva o Pelé e chupa, Argentina.

O hotel é antigo. Fica, segundo o motorista, a 10 km da Praça Vermelha. Apenas 20 minutos de metro me separam da "praça". Pronto, estou em casa. O hotel deve ter uns 20 andares, de fora, com suas luzes de neon, lembra um bingo. Dentro percebo que este já foi um hotel de luxo, mas o luxo deve ter caído junto com o muro de Berlim. Enquanto estou sendo atendido pela recepcionista observo 3 garotas, provavelmente de programa, sentadas em outro ponto da sala. Recebo meu RG de hotel, que deve ser apresentado toda vez que entrar no hotel e um voucher que seria trocado pela chave do meu quarto do 15. Andar com uma lady. Ok, Spassiba. Reparo que apenas 4 dos 6 elevadores, dispostos 3 de cada lado, funcionam e reparo que os elevadores do lado direito servem os andares pares e imagino que os da esquerda servem os andares ímpares (Realmente, eu sou muito foda), mas noto que esqueceram de colocar o 15 na placa que mostra os andares servidos, mesmo assim vou em frente e acho o número 15 nos botões do elevador. Depois de procurar um pouco, acho a lady dormindo em uma pequena sala próxima aos elevadores. Entrego-lhe o voucher, ela me fornece a chave e corro para meus aposentos. É um quarto estranho, antigo, limpo, mas simples. Um frigobar, um banheiro, uma TV e coisas típicas de um hotel simples.

Tiro a roupa e o previsto acontece. Meu chulé é tão forte que tenho vontade de incendiar minhas meias. Todo um banho demorado, mas o chulé só adormeceu e logo voltará para me envergonhar. É assim e sei que todo mundo já passou por isso.

Ligo para casa e informo que já estou bem e que vou dormir. Esta tudo bem e eu estou bem. Estou excitado de estar aqui e não consigo dormir. Estou no berço de grandes pensadores e no palco de grandes acontecimentos do século passado  e sei que ainda há muito mais para acontecer. Bebo, relutante, uma garrafa d'água com gás, enquanto admiro o sol nascer.

Paká