29 novembro 2007

Nunca se sabe...

Semana passada morreu o irmão do meu avô. Fui ao velório e fiquei chateado por ver meu avô e demais familiares tristes, porém aliviados (Meu tio-avô sofreu um bocado nesses últimos meses).

Não sou muito fã de velórios, mas o “bom” de velórios é que acabamos por re-encontrar amigos e conhecidos que não vemos há anos e este não foi diferente. Já havia visto o corpo do falecido e dado minhas condolências aos familiares mais próximos, fui apresentado a alguns membros da família que, provavelmente, só os vi quando nasci e, talvez, em algum outro velório e me despedi. No caminho para o carro, re-encontrei um dos melhores amigos da minha primeira infância. Ele conversava com outros amigos que, também, não via há muito tempo. Começamos a colocar o papo em dia e descobrimos que não nos víamos desde o velório de um outro finado amigo: Há quase 10 anos.

Muito papo e, Deus me perdoe por blasfêmia, muita risada. Despedi-me de meu amigo dizendo apenas “Até o próximo velório e só espero que não seja o seu ou o meu”.

Triste, mas verdade.

Fui para casa e fiquei pensando nesse lance de morte e funeral. Tudo isso é triste, sim, mas triste para quem fica, pois quem vai não pode reclamar muito. Talvez celebrar a morte deva ser o melhor jeito de comemorar a vida bem vivida. Talvez reconhecer a morte seja uma grande motivação para olhar para o lado bom da vida e, afinal, como diz a música a última risada será sobre você.

Sei que isso não me pertence e como não há outro meio, venho por meio desta externalizar meus desejos fúnebres no melhor momento possível: Em vida.
São poucos pontos e ainda não finalizados que gostariam que fossem levados em consideração, em caso de... expiração.

Ontem uma cigana me falou que irei morrer no ano de 2078. Pedi mais detalhes sobre a data e como, mas esses serviços de previsão nunca serão confiáveis, visto as más experiências que tive com metereologistas.

De qualquer forma, aí vão meus desejos recentes:

1) Quero ser cremado imediatamente os órgãos passíveis de doação sejam retirados do meu corpo.
2) As cinzas ficarão expostas entre de duas fotos minhas, sorrindo, de 60cmx30cm cada uma, em localização a ser definida.
3) Haverá música de fundo, mas nada de música gospel e/ou lounge (Lounge é muito chato). Pode rolar um MPB/rock e Los Hermanos serão sempre uma boa pedida.
4) Choro não será permitido, a não ser que seja resultado de algum impacto físico ou de alguma piada/frase lúdica discursada durante o evento.
5) Haverá papéis e canetas disponíveis a todos os participantes onde poderão escrever seus dados de contato como telefone, email, skype, fofokut ou outro novo meio de comunicação inventado até minha morte e, neste papel, haverá apenas uma frase com o seguinte dizer: Prometo lhe rever antes do próximo velório!
6) Discursa quem quer e fala o que quiser: Cagadas e roubadas são bem-vindas, mas prefiro contos alegres.
7) Minhas cinzas serão jogadas em um lugar a ser definido por quem se achar no direito de decidir, ou qualquer outra possibilidade.
8) Caso optem por enterrar ou guardar minhas cinzas, gostaria que os dizeres do epitáfio fossem "Morreu heroicamente salvando orfãos de um terrível incêndio" (Ok, essa eu copiei dos “Tenenbaums”).

E é assim e como dizia o poeta “Quem já passou por essa vida e não viveu, Pode ser mais mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá pra quem se deu, Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.”



22 novembro 2007

Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos


Tive a oportunidade de realizar uma resenha sobre um filme, texto ou livro para a matéria de Antropologia Cultural. Depois de muito procurar, e enrolar, algo que pudesse, também, me identificar, me deparei com o livro Amor Líquido de Zygmunt Bauman. No início folhei o livro e creio, até, que o capítulo indicado á ser lido e resenhado era outro, mas preferi ler e discutir o capítulo que fala sobre amor, o sentimento, e não Amor esse deus que tudo nos dá e tudo nos tira. Ou será que o sentimento tem a mesma missão?

O capítulo, Apaixonar-se e desapaixonar-se tenta explicar como o amor, ou a falta dele, afeta e rege nosso querer, nosso agir, nosso pensar e, porque não, nosso sofrer. O autor discute diversas teorias e pensamentos que foram sugeridos ao tema através dos tempos. Creio que o que prendeu, inicialmente, minha atenção sobre o tema e como ele é discutido, foi a citação que: "Quando se esguia sobre o gelo fino, a salvação esta na velocidade. Quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar desforra na quantidade". Essa citação faz pensar na profundidade de um único sentimento em distinção a troca de uma coisa que pode ser tão plena por pequenas gotas de paixões passageiras.

A não ser que tais paixões passageiras sejam amor. Sim, amor pelas paixões passageiras, porque não? Não iniciarei uma discussão sobre o que deve ser objeto do amor, ou até mesmo o amor de um pai por seus filhos ou, compreenda como quiser, o amor de Deus por sua criação, mas o objetivo proposto pelo autor é debater quais são as justificativas, racionais, ou não, que levam a este sentimento.

Logo no inicio do capítulo o autor comenta que nem o amor e nem a morte pode se atingir duas vezes, ou como não esperamos por ele. Sim, isso é verdade. Quando uma, ou ambas as coisas, juntam ou separadas (E para um amante, o amor não correspondido não é a mesma coisa que a morte? Creio que o jovem Werther, personagem de Goethe, o saberia dizer) nos atingem nunca sabemos ao certo o que deve ser feito e cremos que através da experiência adquirida durante os anos de vida, ou da experiência de outro, poderá nos valer em algo. Acredito que nunca saberemos plenamente como lidar com tais eventos, porém a preparação nunca é dispensável.

Outro ponto de vista é a discussão sobre a quantidade de amores que vivemos. Não deveria o amor ser único e durar para sempre a partir do momento em que ele nasce? Últimos romances, talvez seja isso a reposta para as diversas vezes que nos apaixonamos e depois nos desapaixonamos. De qualquer forma é que o amor é belo, no ditado mais piegas, e vem para gerar o belo.

Devemos aprender a amar, como diz um filósofo citado no texto, e termos a humildade de nos encontramos no outro e junto com isso reconhecer a importância da coragem em admitir que o outro é necessário e que todas as indagações sobre o passado, presente e futuro se encontram todas no receptor do nosso amor. Kafka tem razão: "Nunca saberemos o que é amar".

Desejar o objeto de admiração não é amor. Desejo é somente um modo de vingar-se de uma afronta ou de evitar a humilhação. Possuir algo para ter status sobre algo não é o mesmo que aceitar algo como ele é. Amor é a vontade de se cuidar, estar sempre a serviço do outro e não pedir nada em troca. Nada!


Visões românticas...


Os impulsos são transitórios, porém são sinceros. O que há de mais belo de não saber aonde o caminho termina e mesmo assim tentar trilha-lo? Porém devemos nos policiar de sempre seguir nossos impulsos? Talvez os impulsos nos tirem a responsabilidade, mas caso nos levem a caminhos novos e que estejamos bem, a responsabilidade ficaria em segundo plano. Pois não conheço uma simples alma que não tenha vontade de buscar sua felicidade.

Se relacionar é um investimento. Sim, relaciona-se com um porque um estará presente quando ficarmos sozinhas e desamparados do mundo. Ceder é a palavra da vez, diz um. E que tal se comunicar? Saber o que te agrada e o que me agrada, saber o que te incomoda e o que não suporto. Caso não ficássemos cegos pelo amor, conseguiríamos perceber tais momentos e diríamos o que realmente acontece e a sinceridade iria conduzir o resto do relacionamento, mas a verdade só aparece quando não concordamos com o outro, ou o outro conosco, e aí as discussões começam e a toda a racionalidade se perde.

Se tivéssemos relacionamentos sinceros de bolso, como sugerido. Como conseguiremos entrar plenamente em um relacionamento e atingir seu auge sabendo que caso ele mude e não seja mais o mesmo, o mesmo deverá ser esquecido? E não se esqueça de nunca perder a razão quando estiver em um relacionamento de bolso, pois bem, não é, as vezes, isso o que queremos que aconteça quando nos deixamos levar?

Quase no final do capítulo, assumo que vi a luz no fim do túnel e novamente assumo que é a luz no fim do meu túnel. Porque não se relacionar e permitir um algo mais com alguém que temos afinidade? Sim, isso me parece o correto. E claro, que agora esta fácil, só basta encontrar alguém com as mesmas afinidades, gostos e pensamentos. Complicado. Acho que o melhor é procurar ser completo, o meu completo, como outro filósofo disse e se encontrar outro completo, bom, a afinidade aparecerá. Pois como não dizem por aí: "Os opostos se distraem, os dispostos se atraem".

20 novembro 2007

Pode vir quente, que estou fervendo

Eu só queria uma cerveja e acabei por descobrir que o mundo estava acabando. Droga, será que ainda há tempo para uma caipirinha?
Tenho que admitir, eu não sou o tipo de cara que lê muito. Ler é um hábito muito chato e as notícias na TV são sempre de alguém que matou alguém, alguém que roubou alguém ou de alguém que esta ferrando alguém, em maior ou menor escala ou com mais ou menos envolvidos. Eu sei que o jogo é assim e minha única preocupação é não ser ferrado e desejar mal a quase a ninguém. Claro que nem sempre isso é possível: Que se danem todos os ex da minha nega!
Não sei a quanto tempo começou, mas de algum tempo para cá sempre ouço a mesma reza. Entro no táxi depois de uma cervejinha e o taxista, que antes falava do tempo, desembesta a falar sobre um tal de “aquecimento global”. Eu, respondo com um simples, “pois é” e emendo com um “E o Corinthians, meu? Será que vai ser rebaixado?” Para que estressar? Sei lá que porra é “aquecimento  global”, por mim isso deve ser coisa da Globo tentando recuperar a audiência perdida para a Record.
Ultimamente está cada vez mais difícil bater aquela bolinha dominical. Culpo a idade e o calor e sei que já não tenho os meus 20 anos. Lá na repartição o ar-condicionado quebrou, mas já foi feito uma licitação para comprar um maior e melhor.   Se é melhor, eu não sei, mas é maior e bem mais caro do que o último que compramos e se me lembro bem compramos há alguns meses. Tanto faz, o dinheiro não sai do meu bolso, mesmo. Se é para mamar, vamos mamar até o fim. Que fim? Do mandato ou o fim do mundo?
Eu gosto de tomar minha cervejinha no final do dia com os colegas. As vezes a patroa enche o saco, mas geralmente ela sai do trabalho e se enfia no shopping e arruma o cabelo daqui, pinta as unhas ali e o diabo. Ás vezes chego em casa, depois de uma cerveja a mais, e nem reconheço a mulher.  De qualquer forma é bom chegar em casa e assistir a novela das 8 com a sósia da Juliana Paes (Gostosa), embora em proporções levemente maiores  (Se a patroa ler isso, eu estou frito). Enfim, estava tomando uma cervejinha e não é que me aparece um panfleteiro, lá no bar, e distribui um panfleto sobre o tal do “aquecimento global” ? Putz grila, a Globo não perde tempo mesmo.
Eu até pensei em amassar o tal panfleto e mandar na rua, mesmo, mas outro colega já havia feito isso e só faltou ser esmurrado pelo panfleteiro. Eu sou da paz e guardei o panfletinho no bolso da calça, continuei minha cervejinha e o papo, enquanto olhava todas aquelas gostosinhas que passavam para lá e para cá. Deus salve as gostosinhas!
Já em casa, me esparramei no sofá só que tinha alguma coisa me incomodando: era o tal panfleto. Li com um certo descaso inicial, mas logo constatei que, puta que o paril, o mundo esta acabando. Como assim? Dizem que há um tal relógio do fim do mundo e ele foi adiantado. A temperatura do mundo está subindo e vai continuar subindo não sei quanto até não sei quando. Algumas cidades costeiras serão cobertas pelo mar. Tudo bem que o Rio não fará falta, mas e todas aquela mulherada? E a globeleza? Isso não pode acontecer! Será que estão fazendo alguma coisa á respeito disso? Li alguma coisa de protocolo de Kioto, mas os Estados Unidos são contra. Emissão do que?  Puta que o paril... Puta que o paril...  Hey, fui enganado! O panfleto diz que o stress, do bom, vai começar em 100 anos. 100 anos? Ah! E eu quase iria começar a andar de bicicleta pr’o trabalho. Em 100 anos eu já vou estar morto, mesmo e, com a graça do nosso bom senhor Jesus, no céu.
Tenho outras coisas mais importantes e imediatas para me preocupar. É, tenho sim.  Para mim, o fim do mundo é saber que a Britney e a Lindsay foram presas. O bom mesmo é saber que o meu imposto de renda será restituído na próxima quinta-feira (Com a graça de Deus). Além do mais as Spice Girls estão em turnê e descobriram mais petróleo no Brasil.
Dizem que os quatro cavaleiros do apocalípse estão vindo, mas e daí? Tem tanta coisa boa nesse país que até eles chegarem aqui ainda tenho tempo para mais uma capirinha, uma bolinha, um sambinha...  

21 outubro 2007

Setenta-e-um



A edição de outubro de 2007 da Revista Rolling Stone, traz o resultado de uma eleição para definir os 100 maiores discos brasileiros, por sorte esta matéria caiu como uma luva para meu trabalho de conclusão de curso, aqui designado simplesmente TCC. Meu TCC discute sobre a influência da música, em especial dos artistas exilados, na população brasileira durante os 21 anos, 1964 á 1985, da ditadura militar brasilera.
Os 100 maiores discos foram escolhidos por um júri de 60 “estudiosos, produtores e jornalistas” que poderiam escolher os 20 discos, sem nenhum critério específico ou ordem de preferência. A lista contém produções artísticas musicais desde 1950, com Noel Rosa e Aracy de Almeida, até 2003, com Los Hermanos – São mais de 5 décadas de história. Através dessa compilação montei uma pequena lista que deu algumas respostas e forneceu algumas novas perguntas.
Para minha alegria, identifiquei que 51 discos, dos 100 maiores, foram produzidos durante a década de 1970, auge dos “Anos de Chumbo” da ditadura militar. Os “Anos de Chumbo” foi designado para os anos onde a repressão militar foi mais intensidade. Identifiquei, também, que dois artistas ocupavam o primeiro lugar de tais produções, Tim Maia e Caetano Veloso, ambos com 4 álbuns cada e seguidos de perto por Gilberto Gil com 3 álbuns, isso sem contar com as parcerias. Chico Buarque divide a terceira posição, com outros 8 artistas, incluindo Raul Seixas. Porque o foco nestes artistas? Todos, com excessão de Tim Maia,foram exilados, sem entrar no mérito de terem tido um exílio obrigatório ou espontâneo, se é que existiram exílios espontâneos.
Apenas númerar os álbuns não seria prova de qualidade, mas apenas de quantidade, por isso atribui pontos, sendo que o primeiro colocado (Novos Baianos, com “Acabou Chorare” recebeu 300 pontos, o segundo colocado (Tropicália, com Tropicália ou Panis et Circensis) recebeu 297 pontos e prossegui subtraindo 3 pontos até chegar ao centésimo colocado (Egberto Gismonti, com Circense), que recebeu 3 pontos. Desta forma creio que pude quantificar a importância do álbum segundo sua qualificação.
Refiz novamente meus cálculos, com o sistema de pontuação, e confirmei o status de qualidade da década de 1970. Constatei que 55% dos pontos íam para está década, porém com algumas mudanças no ranking dos artistas. Tim Maia permaneceu em primeiro lugar, o segundo lugar foi dividido entre Gilberto Gil e Jorge Ben, o terceiro lugar ficou para o homem que entende a alma feminina, Chico Buarque e Caetano Veloso ficou com o quarto lugar. Nada mal, não?
Os militares ocuparam o poder no Brasil por 21 anos e foi interessante constatar que mais de 2/3 dos melhores álbuns foram feitos durante esse período. Isso não necessariamente concluí minha teoria da influência da música durante a ditadura, mas coloca mais questões na discussão do mercado de música brasileiro. Porque o último grande disco foi feito há 4 anos? Porque a grande concentração de álbuns durante um período marcado pela intolerância e a censura? Ainda encontramos qualidade no “mainstream” musical ou apenas artístas que fazem dinheiro? A música não pode ser instrumento de voz da população? A música não pode unir uma nação?
Talvez seja muito cedo para responder estas questões, mas não custa lembrar que durante um sombrio período de nossa recente história houve uma explosão de criatividade e ousadia que culminou na produção de 71 discos que deveriam fazer parte da disco-grafia de qualquer amante da boa música.
A relação completa dos 100 maiores discos da música brasileira pode ser encontrado no site da revista Rolling Stone.

11 outubro 2007

an.si.e.da.de

an.si.e.da.desf (lat anxietate) 1 Aflição, angústia, ânsia. 2 Psicol Atitude emotiva concernente ao futuro e que se caracteriza por alternativas de medo e esperança; medo vago adquirido especialmente por generalização de estímulos. 3 Desejo ardente ou veemente. 4 Impaciência, insofrimento, sofreguidão.


Aeroporto lotado, milhares de ombros lado-a-lado á espera dos passageiros de mais um vôo que, com sorte, não atrasará.

- É sempre assim nessas vésperas de feriado. – Exclama para uma bela galega, ao seu lado, tentando puxar papo.

- É, lotado. – Responde sem nenhuma empolgação.
Percebe que se quiser engatar em um papo com a galega terá que se esforçar mais, porém, tinha pouco tempo e resolveu ir com tudo.

- É... – Hesita.

- Você não é daqui, é? Esperando o namorado? – Pergunta sem pudor.

- Não, não sou e estou esperando meu irmão que vai passar o feriado comigo. – Responde, agora com certa educação.

- Feriado em São Paulo? Legal...
Sente uma facada em suas costas e pensa em melhores modos de continuar a conversa, sem parecer mais um “paulistano-ô-lôco-meu”.

- É... São Paulo é uma boa cidade. Sempre tem alguma coisa acontecendo. Acho até que os museus ficarão abertos e, talvez, hajam algumas boas peças para assistir ou baladas, sei lá.

- Não, não. Vamos p’ra praia. Uma amiga da faculdade tem uma casa na praia e vamos para lá. E você, quem você esta esperando ?

- Bom, eu... eu... estou esperando minha... minha irmã. Minha irmã e os filhos. Eles vão passar uma temporada na casa dos meus pais. Bom, nossos pais. Ela se separou do marido... ou o marido se separou dela. Não sei.

- Ah! Que triste, mas ela esta bem, certo ? – Pergunta a galega.

- Acho que sim. Bom, escuta, qual é seu nome? Estamos conversando e nem sei seu nome.

- Fernanda e o seu ?

- Nossa, que coincidência. Fernando, meu nome é Fernando.

- Tu tá de brincadeira ?

- Não, de maneira alguma. Prazer, Fernando. Olha – Disfarça olhando para o chão -  posso pedir uma coisa?

- Humnnnn, o quê?

- Seu telefone! Você esta aqui em São Paulo e, sei lá, poderíamos marcar de fazer alguma coisa.
Partira para o tudo. Se ela não desse o telefone, tudo bem. Já ouvira não de outras vezes e sua habilidade de se adaptar o extinguira de qualquer apego á derrota, até então.

- Meu irmão chegou. Ele é aquele ali. Esta vendo? – Interrompe o assunto.

- Ah, sim. Legal.

- Tenho que ir. Bom te conhecer, nos vemos por aí. – Diz, Fernanda, indicando que a tentativa de Fernando não vai dar em nada.

Fernando ainda pensa em argumentar, mas prefere fazer o que faz de melhor. Desde a infância era capaz de simular choro, suor, arrepios e o que mais quisesse. Seu rosto dizia uma coisa, sua boca dizia outra e sua percepção do mundo era como a de todos deveriam ser: Sua. Não era mal, mas não tinha grandes desejos ideológicos de mudar o mundo para um lugar melhor. Queria realizar suas vontades e só, mas havia esquecido isso há alguns anos.

- Ah! Adeus – Despede-se com cara de quem perdeu tudo.
Fernanda o olha, fica com dó e pensa em todas as coisas que se arrependeu por não ter feito e decide dar seu número de celular à Fernando.

- Olha aqui. Devo voltar da praia lá pela quarta-feira. Você tem como anotar meu número ?

Ponto para Fernando.

- Claro, pode falar que anoto no celular. – Diz enquanto enfia a mão no bolso.
Números declamados e anotados. Despedem-se e Fernando permanece na luta dos ombros e pescoços. Enquanto isso uma revolução interna começara. Fernando sente uma certa dor no peito e tem a boca seca. Não sabe bem o que é isso. Faz esportes desde que se entende por gente e dificilmente fica doente.
Ao longe vê uma mulher e outras duas crianças. É por elas que Fernando aguarda e gesticulando revela sua posição para os recém-chegados. As crianças correm em sua direção gritando “Pai-ê, Pai-ê!”. Fernando aguarda e sorri. É inútil tentar enganar o nobre leitor que a mulher, com as crianças, não é sua esposa.  Fernando é casado e tem um casal de filhos. Mariana, 5 anos, e Vítor de 4 anos. Sua esposa vem em sua direção, beija-o dizendo que sentiu saudades.

- Eu também. Eu também. – Diz Fernando.

- Podemos ir ? Não estou me sentindo muito bem. Até estou com a boca seca e com frio.  – Diz sem comentar sobre a dor no peito e, agora, a sensação de falta de ar.

- Sim, vamos. Crianças, vamos indo, podemos matar a saudade em casa. – Diz a mãe e esposa.


Adepto do tudo ao mesmo tempo agora, Fernando preferiu reprimir seus desejos e vontades a muito tempo. Agora era casado e seguia o caminho padrão que fora desenhado por outros. Não lhe faltava vontade própria, mas cansado de nunca encontrar a “resposta”  decidiu lutar pelo o que era esperado. Casou-se com sua primeira namorada do colégio. Foi um belo casamento pago pelo pai da noiva. Logo vieram as cobranças por crianças e Mariana veio ao mundo sendo recebida com todo amor de seus pais e demais familiares. Tinha tudo o que precisava, tinha uma família, uma casa, dois carros e dois cachorros. Era uma vida tranquila. Fernando queria mais, queria os frios na barriga que outrora tivera. Tinha medo, como todos, mas queria mais e mais.

No carro, Fernando é o motorista e deixa o carro morrer na primeira tentativa. Sua família brinca com ele por isso, mas ele apenas sorri amarelo. Dirige, mas com uma enorme dificuldade. Dirige, mas não consegue se concentrar no trânsito e na conversa familiar ao mesmo tempo. Sua dor no peito e falta de ar o apertam e o confundem. Já estavam na avenida principal quando, talvez pelo sol, Fernando não percebe o farol vermelho para ele e sua família. Acelera e apenas para quando seu carro atinge um caminhão cegonha que cruzara seu caminho.

Ninguém sobrevive.

O enterro aconteceu em uma quarta-feira chuvosa. Muitos amigos, conhecidos e colegas estão presentes, mas não há alvoroço. Nas pequenas rodas de amigos a lembrança mais forte era da alegria e disposição que Fernando encarava tudo.
Seu lema era repetido por seus conhecidos.

Não era o momento para esta discussão, mas alguns conhecidos comentavam que tal lema deveria estar no epitáfio da família ou, ao menos, na de Fernando.

...

Passados alguns anos um gótico bêbado perâmbula por algum cemitério da cidade. Entre um gole de vinho e outro encontra uma bela, porém simples, lápide. Ele para, olha, lê o epitáfio, ri e continua seu caminho.

Em uma simples fonte e acima do nome de um tal de Fernando, para quem quiser ver,  lê-se: Relaxa !

12 agosto 2007

01 - Diário Secreto Alemão - Agosto/2007

Gruess Gott!

Estou no Alemanha :-)

A última vez que eu foi aqui fui em 2004. Eu gosta muito de Alemanha. Aqui eu me sinta segura. Eu anda com Ipod, com celular e com dinheiro e ninguém meche comiga. No Brasil não é assim... Infelizmente, ainda, não é assim. Vote em João para Presidente. Não tenho rabo preso com ninguém e vamos fazer um Brasil melhor. Vamos importar o que há de bom pelo mundo e vamos exportar o que de bom temos em casa, pelo preço justo.

O vôo da Rússia para München foi tranqüilo, mas como já disse: Estou cada vez mais medroso. Para variar sentei-me ao lado de uma senhora que a cada balançada, segurava forte na mão de seu marido. Ainda bem que o medo de avião não supera a vontade de conhecer outros lugares, lugares diferentes. Hoje li que sempre usamos nossa cultura como ponto de referência para interpretar outras culturas (etnocentrismo). Quando chegamos a um lugar completamente novo a metáfora utilizada é de como alguém, nascido cego, enxergaria o mundo pela primeira vez. Certamente estaria confuso e todas aquelas cores e formas demorariam algum tempo para fazer algum sentido. Esse é o trabalho de um antropólogo e não sou isso. Sou apenas um perdido curioso.

Como já disse, acima, em meu sotaque tupi-germânico, estou de volta á Alemanha. Dê Abril á Agosto de 2004 tive o prazer de morar por aqui. Até a pouco tempo dividiria minha vida em duas partes: Antes e depois de morar na Alemanha. Bom, não necessariamente Alemanha ou Europa. Morar fora de casa, em outro mundo, por assim dizer, abre nossa cabeça para a beleza das pequenas coisas e, muitas vezes, principalmente das pequenas coisas que não fizemos quando podíamos. A vida não acabou, mas começou, então faça o que tem que ser feito,  agora. Projete-se para amanha e minta para os nãos da vida. Não sei as tuas respostas, não sei as minas respostas e o que, ainda, me move é minha curiosidade do que ainda não vivi.

É muito bom voltar para a Alemanha. Aqui, de alguma forma, entendo o que o povo fala. Sei ler o que, algumas, palavras que vejo e sei ir e vir, na medida do possível, sem restrições. Estou colocando meu escasso alemão à prova e pretendo continuar assim. Cheguei ao aeroporto de Munique, liguei para casa, passei pela imigração e comprei um dicionário inglês-alemão (estou enferrujado). Logo que comprei o tíquete de trem, em alemão, corri para a plataforma. Esqueci muita coisa, esqueci que, às vezes, a porta do metro não se abre e é necessário apertar um botão. Não é preguiça alemã, mas imagina no inverno, aquele frio danado, e a porta se abrindo para ninguém entrar. Ninguém, não. O frio.

Mesmo sabendo ir e vir, isso não significa que não cometa erros. Pois é, depois que peguei o trem para a estação principal, teria que pegar um S-bahn (Metro/bonde) para o Albergue. Tinha todas as coordenadas, mas peguei o S-bahn para o lado errado. Tudo bem, tudo bem. Isso só me tomou alguns minutos e quando cheguei á estação correta, percebi que estava chovendo. Parei, pensei e enfrentei a chuva por apenas cinco minutos, até chegar ao Albergue. É sempre bom relembrar que só existem três coisas que não gosto: Relógios de pulso e guarda-chuvas.

O albergue alemão é muito organizado. Tratei de me comunicar em alemão e tudo tranqüilo. O quarto é no primeiro andar e tem seis camas, dividas em três beliches. Estou na cama inferior do beliche mais próximo á porta. Temos duas pias e um armário/locker para deixar tudo. Já havia empurrado tudo para o locker quando notei que não tinha roupa de cama e toalha. E lá vou eu novamente para a recepção. Agarrei roupa de cama e tentei comprar água em uma dessas vending machines, mas só tinha água com gás. Pronto, lembrei uma birra que tenho com a Alemanha. Perguntei a recepcionista aonde poderia comprar água sem gás e ela responde: Pode beber da torneira. Lembrei: isso é Alemanha. Há três anos o pai de um amigo alemão, aqui na Alemanha, leu uma nota de jornal, para mim, que fora feita uma pesquisa (dessas de qualidade) com diversas marcas de água mineral e com a água da torneira. O resultado foi que a água da torneira, por aqui, é mais saudável e limpa que a água mineral.

Eu não errei. Quando disse que existem três coisas que não gosto e só disse duas. A terceira coisa é o elemento X. X é coisa que eu não gosto em um dado momento. Pode ser em um ano, um dia, um segundo e etc. Nesse exato momento eu odeio a saudade que sinto de você.

Wiederschreiben!

07 agosto 2007

17 - Mandamentos na Rússia

Dia, tanto faz.

Estou de saída para o aeroporto e compilei os meus 10 mandamentos do viajante na Rússia. Espero que seja útil para os futuros desbravadores e, também, espero que sirvam para mostrar, a quem aqui vier, que a Rússia é muito mais do que imaginamos ou vemos de casa.

- Aprenderás algumas expressões, em Russo.
    Não é todo mundo, na Rússia, que fala inglês. Mas se falar algumas poucas expressões, em russo, aumentarás sua possibilidade de seres bem-vindo.

- Sorrirás ao alheio.
    Sua cara é seu cartão de visita. Um sorriso franco pode gerar a empatia necessária para iniciar qualquer bate-papo

- Andarás de óculos escuros, quando possível.
    É melhor para observar, sem chamar a atenção. Vale para tudo, inclusive para as belas russas que andam provocantemente soltas por essas ruas.

- Andarás com a fotocópia de seu passaporte.
    Infelizmente alguns policiais podem tentar molestar turistas. Ande com uma fotocópia de seu passaporte, onde se possa ver a foto e o visto.

- Estarás atento á teus bens pessoais.
    Essa é simples, não. Evite andar com muito dinheiro na carteira e tenha sempre uma quantia reserva na sinta turista (Aquela que anda debaixo da calça ou camisa).

- Esqueçerás tua dieta.
    Vir à Rússia e ter restrições alimentares é deixar uma parte da experiência desconhecida. Coma as delícias Russas, Ucrânianianas e Cáucasas, em geral.

- Tirarás muitas fotos e/ou filmarás muitas horas.
    Muitas e muitas. Não há como evitar.

- Beberás Vodka.
    Os Russos são famosos por muitas coisas e a Vodka é uma delas. Russos, bebem Vodka pura e em pequenos copos, como tequila, e podem cheirar um pão preto depois, de acordo com a tradição local.

- Jamais beberás dessa água.
    A não ser que seja fervida por, pelo menos, 10 minutos ou seja mineral. A bactéria Giardia Lamblia pode causar dolorosas cólicas estomacais, diarréia e gases. Os sintomas podem aparecer semanas depois do contato e o tratamento pode durar anos.

- Comprarás Matrioskas.
    Não são umas gracinhas aquelas bonequinas russas de madeira? Algumas pessoas são matriokas, também.


Até a próxima.

Da svidânia !

06 agosto 2007

16-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 15, último dia.

O bom de acordar com tempo é que podemos pensar nos sonhos que acabamos de ter. Sonhei que tinha aula de matemática, na faculdade de humanas, e não tinha feito à lição de casa. Que pesadelo, faço humanas porque tenho pavor de matemática e ainda acontece uma coisa dessas? Outro sonho tinha a ver com minhas viagens, sonhei que voltara da Rússia para o Brasil e depois iria para a Alemanha novamente, ou algo assim. O sonho final foi bem real. Sonhei que não iria para a Alemanha, mas sim para a Finlândia e depois para a Alemanha. Esse bem que poderia ser verdade, mas, quando acordado, me convenci (mais ou menos) que o melhor é conhecer mais um pedaço da Alemanha e conheceria a Finlândia com mais tempo, no futuro.

Minha andança começou, mais ou menos, ao meio-dia. Depois de um café da manhã reforçado planejei por onde andaria e assim o fiz. Dessa vez minha andança seria musical. Coloquei o Ipod e Beatles no talo, "I wanna hold your hand", "All you need is love", "Something" e dezenas outras mais me acompanharam enquanto eu andava e dançava sob o sol de uns 35 Graus. Ah! O verão! Minha primeira parada foi entre as grandes colunas próximas as fontes cantantes (ou dançantes). É lá que muitos casais vão tirar suas fotos de casamento. Os casais chegam em cumpridas limosines ou Hammersines (Eu inventei essa palavra?) e vão tirar fotos. Já que um casal estava chegando, decidi que iria esperar e tirar algumas fotos minhas. Valeu a pena. Embora seja um casamento russo reparei em alguns detalhes, comuns aos casamentos Brasileiros. Primeiro, o noivo sempre tem uma cara de estar feliz, mas envergonhado. Segundo, os amigos do noivo acham tudo muito lindo e muito engraçado. Terceiro, as mulheres sempre choram e quarto, talvez a mais sagradas das tradições, tem sempre alguma solteirona que fica arrumando o véu da noiva. Nesse casamento, alguém teve a infeliz idéia de trazer pombas brancas para os noivos soltarem para a liberdade. Oh, que esses ratos com asas voem para o céu infindo da amada Mãe-Rússia. Bom, depois de algumas dezenas de fotos dos noivos com as pombas nas mais variadas posições possíveis, é chegada à hora de solta-las para a liberdade. A noiva solta sua pomba e ela alça um belo vôo. O noivo solta sua pomba e ela... não voa. O noivo, já embaraçado com toda a situação, chacoalha, assopra as mãos e enquanto isso a noiva ri, assim como todos os convidados e, também, esse que vos escreve. Por fim, a pomba decide voar para a liberdade e deixa um presente de casamento na mão do noivo.

Eu sempre choro em casamentos.

Continuei minha andança e fui até a Fortaleza de Peter e Paul. Foi lá que São Petersburgo começou. Fica em uma ilhota e conta com museus, igreja e um grande muro que pode ser escalado e usado como ponto de observação da cidade. Antes de escalar o tal muro, resolvi me sentar e pensar na vida um pouco, pois é, amigos, hoje estava pensativo. Sentei-me em um banco qualquer de frente para a igreja, enquanto os sinos dobravam. Nem sei por quanto tempo fiquei por lá, mas valeu a pena. Quando estava alcançando a iluminação da minha vida, através da meditação, fui interrompido por um senhor que identificou-se como guia, em inglês. Agradeci e disse que já estivera ali antes e estava só pensando na vida. Ele entendeu e, ainda, ofereceu em me levar a uma loja de souvenires que tem o melhor preço de São Petersburgo. Agradeci e conversamos um pouco. Ele se chama Alex, russo, e morou nos Estados Unidos da América por alguns anos e agora é guia turístico em São Petersburgo. Me despedi e ele disse algumas palavras em português. Aquilo me fez pensar nos pontos turísticos de São Paulo e como eles são oferecidos á estrangeiros. Preciso voltar a esse tema.

Andei e andei. Passei por diversos pontos turísticos. Passei pelo Mars Field, uma belíssima praça com uma chama que nunca se apaga em memória de algum morto. Passei, novamente, pela igreja do Salvador do Sangue derramado (aquela com o Jesus crucificado com olhos abertos). Talvez não gastei o tempo necessário explicando essa igreja. Ela lembra muito a famosa igreja russa da praça vermelha. Essa mesma. Porém suas cores são mais calmas. Azul e verde dividem espaço nos grandes domos. Diversas pinturas representando passagens sagradas. Sem duvida é uma bela igreja. Entrei em um dos parques em volta da igreja e sentei-me nas escadarias do Museu Russo, que hoje esta fechado, e pensei. Acho que encontrei uma solução ou, pelo menos, os próximos passos. Não seria justo em divulgá-los, por que não sei como será.

Depois do almoço procurei livros de Stanislavsky, em Inglês, mas não achei nada. Comprei alguns souvenires para amigos no Brasil. No caminho para o hotel, pensei em posar para um daqueles Portraits que os artistas fazem caricaturas ou seu retrato em grafite, achei melhor não. Posso fazer no Brasil. Aqui tenho que ver coisas diferentes e acho que vi. A Rússia é um ótimo país e de muitas surpresas. Quem vier para cá que venha com a cabeça e o coração preparados.

No último dia de acampamento, quem leu sabe, Tatyana pediu meu caderno de viagem e minha Moleskine. Ela devolveu e escreveu algumas linhas em russo. Havia tentado traduzi-las, mas meu dicionário russo contém apenas frases que turistas dizem, como: "Eu não falo russo" e "Cerveja, por favor". Pedi, então, que a recepcionista do hotel traduzisse e assim ela o fez e a tradução, do inglês, feito pela recepcionista pode ser lida abaixo:

“... Para ser forte, para ser fraco na vida onde não se pode curar seu sofrimento com chocolate e rindo dos outros...”.

Como disse Vinicius, “... A vida é para valer. E não se engane não, tem uma só. Duas mesmo, que é bom, ninguém vai me dizer que tem ser provar, muito bem provado. Com certidão passado em cartório do céu e assinado embaixo: Deus. E com firma reconhecida. A vida não é de brincadeira, amigo. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida..."”.

Paká

15-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 14, "Here, there and everywhere"

Ahhhhh! Como é bom acordar a hora que se quer, não? Acordei tarde e enrolei mais um pouco na cama.

Tive um sonho estranho, que bem que poderia ser verdade. Saí do Brasil bem no meio dessa crise aérea toda. Bem, a crise aérea começou no ano passado, depois do acidente com o avião da Gol, e continua até agora, com o acidente da TAM. Li na internet que nosso excelentíssimo presidente, Lula, trocou o ministro, trocou a estilista, fez mais uma cara de que não sabia de nada e nada mudou. Acho que meu sonho veio bem a calhar. Sonhei que o Lula havia sofrido um acidente de avião. O Air Force One Brasileiro caiu em São Paulo e só o Lula sobreviveu. Sobreviveu, mas ficou malzão. A Marta, que já relaxou e gozou, foi umas das poucas pessoas que pode entrar no quarto em que nosso presidente estava recebendo o melhor tratamento que o nosso dinheiro pode comprar e forneceu algumas fotos para a imprensa tupiniquim. As fotos não eram da melhor qualidade. A cor, iluminação e enquadramento não eram lá grande coisa, mas o povo brasileiro podia ver o nosso pobre presidente acordado e sorrindo, mesmo que estivesse sem barba, com algumas costelas quebradas, rosto um tanto quanto inchado e algumas cicatrizes, para levar pela vida. Será que o presidente ter sobrevivido, no meu sonho, é uma vitória da democracia?

São Petersburgo, vamos lá.

Saí andando e tentei encontrar algum ponto de referência para voltar para o Hotel, mais tarde. Sem problemas. Meu objetivo era conhecer a Hermitage. A Hermitage fica no antigo palácio de inverno dos czares russos e agora é um grande museu. Dizem que se um decidir olhar por um minuto todas as esculturas e pinturas, que lá estão, levaria doze anos para ver tudo. Eu não tenho tanto tempo. Depois de rodar um pouco em volta do prédio, achei a entrada para turistas solos. Essa entrada fica em uma praça com um obelisco (não sei o nome). Havia comentado anteriormente, que estrangeiros pagam até três vezes mais caro em passeios, museus e etc., porém, para minha sorte, estudantes pagam bem menos. Apresentei minha carteira mundial de estudante, original, adquirida na Pizza Hut, e paguei 1/4 do valor. Bem melhor que 1/2. Outro dia, aí no Brasil, fui ao cinema e fui informado que minha carteirinha de estudante-jovempan-pizza-hut não seria aceita. Não entendi por que.

Entrei com minha câmera e tirei muitas fotos. Existem obras do mundo inteiro por aqui. Como, também, já disse. Não manjo muito de arte, mas sei reconhecer um Rembrandt ou um Picasso e isso vi por aqui. Devo ter ficado umas três horas passeando por todos os corredores possíveis e mesmo assim sei que não vi nem a metade de todas as obras expostas. Quem vier a São Petersburgo, sugiro que venha com um bom tempo e com a barriga cheia para a Hermitage.

Saí de lá e fui comer um Donner Kebab (churrasquinho grego turco). Outro dia um adolescente russo me perguntou qual era a minha comida predileta no Brasil. Sem nem parar para pensar, respondi: Japonesa.

Subi a torre da Catedral de São Isaac e olhei a cidade toda lá de cima. Não estava no clima de pensar na vida e cansado voltei para o hotel. No hotel, verificando minhas coisas, descobri (relembrei) que volto para o Brasil no dia 15 de agosto e não no dia 12 de agosto. Que tristeza, agora terei que gastar mais uns dias na Europa. Droga!

Revisei meus textos, conectei á internet (conexão discada) e fiz o upload de alguns. Alguém aí, ainda, se conecta á internet por conexão discada? Talvez não se lembrem, mas é lento. Leeeeeennnnnntttoooooooo.... Recebi um e-mail de um amigo alemão, que mora na Suíça, (globalização é uma coisa, não?) e ele me disse que o metro/trem estará em greve na Alemanha na próxima quarta-feira. Não entendi e comecei a rir. O que? Greve na Alemanha? O que esse povo quer mais? Eles já têm cerveja, loiras e Donner Kebab e ainda fazem greve? Esse mundo não é mais o mesmo.

Custava a dormir e só consegui pegar no sono ouvindo Beatles. "To lead a better life I need my love to be here..."

Paká



14-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 13,  sozinho.

Havia colocado o despertador para as 8 horas e 30 minutos, mas "snoozei" o despertador até às 11 horas.

Fiz minhas malas e tomei um rápido café da manhã, antes que os poucos remanescentes do grupo fossem para, ainda, um último passeio. Fomos até o Aurora (o navio que anunciou o inicio da revolução), voltamos almoçamos e fomos para a estação de trem. Onde me despedi do grupo.

Fui de táxi para o meu novo endereço em São Petersburgo. Um pequeno, porém ajeitado hotel no oeste da cidade á cerca de 20 minutos, a pé, do centro histórico. Antes de me instalar procurei a camareira, pois deveria lavar a qualquer custo minhas roupas e descobri que só voltarão em dois dias, bom, isso é melhor que nada. Estou no térreo e fiquei preocupado com a história das pulgas. Ouvi dizer que quando começa a esfriar e os hotéis, casas e etc, ligam o sistema de aquecimento, as pulgas, que até então estão embaixo dos edifícios, começam a sentir frio e procuram o calor do térreo. Ainda bem que tenho mais alguns dias de verão, por aqui.

Passei o resto da tarde revisando os diários, lendo e preparando o itinerário de manhã.

Paká

05 agosto 2007

13-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 12,  despedida.

Acordei no horário, mas com um mal-humor daqueles. Era nosso último dia no Summer Camp.

Logo depois do café da manhã, os adolescentes teriam que preparar suas encenações sobre o dia. Subi com o grupo que fazia parte e enquanto eles discutiam e trabalhavam, eu fiquei transcrevendo uma música em russo para o meu caderno. Bom, se algum russo vir aquilo, certamente não entenderá nada, se algum brasileiro vir aquilo, também não. Escrevi os sons russos do jeito que poderia lembrar de como canta-los depois. O refrão conta como o coração do apaixonado parou e depois suspirou, quando viu a amada. "Maior ciêrtzça astavilos/Maior ciêrtzça zaimiárolá". Ainda assisti um dos ensaios em que cada um dos instrutores era representado. Quem me representou foi um dos "garotos problemas" lá do começo da semana. Ninguém mais é "problema" de ninguém e nem de nada, inclusive esses dois se mostraram grandes homens. Na encenação eu era o que se esforçava em dizer alguma coisa, em russo, depois procurava o dicionário para dizer outra coisa, mas todos respondiam, em inglês, á indagação que, ainda, nem havia feito. Explodi em risos.

As apresentações começariam depois do almoço. Todas elas correram como planejadas e eu, também, tinha que apresentar alguma coisa, mas antes resolvi presenteá-los com uma lembrança do Brasil. Antes de entregar o que havia trazido, perguntei o que eles conheciam sobre o Brasil e falei sobre algumas coisas. Perguntei o que eles conheciam sobre a Amazônia e alguém responde: "Piranha!" Pronto, agora sabiam meu presente para os meninos. Brinquei um pouco e contei que as piranhas comem outros peixes, gados e, ocasionalmente, algum humano perdido. Entre essas explicações, procurei alguém que estivesse mais assustado e admirado com essas histórias. Era Sascha, uma menina de 14 anos. Aproximei-me bem dela e, sem que percebessem, já tinha uma piranha (chaveiro) na minha mão. Perguntei á Sasha se ela já havia visto uma piranha. Ela disse que não. Então revelei. Suspiro assustado. A pobre se assustou com os dentes da piranha. Presenteei as meninas com outro tipo de chaveiro, que consiste de uma semente (acho que é Pau-Brasil, pelo menos eles acham que é) e algumas fitinhas do Senhor do Bonfin presas a ela. Tudo bem colorido. Foi suficiente para o grupo todo. Depois teria que fazer uma apresentação. Arrumaram um violão e eu, que só toca para a platéia de um só, tive que tocar para a turma toda. Violão, pose, algumas notas, pedi palmas e cantei... cantei meia estrofe e a voz me falhou. Toquei mais um pouco sem cantar, tentei novamente e mais uma vez a voz falhou. Olhei para a minha platéia, que já não entendia nada, fui para o refrão e parei. Suado e envergonhado, agradeci e saí.

Falar é fácil, tocar não.

Um outro instrutor mandou bem. Tocou duas canções russas, daquelas que são velhas, mas todo mundo conhece. Uma outra instrutora, com a ajuda do irmão que tocava o piano, cantou alguma outra canção russa e logo iríamos para a última atividade com todos juntos. Fizemos um grande bate-papo e graças a Serguey, que traduziu tudo, entendi tudo. OK, menos uns bla-bla-blas que Serguey recusou-se a traduzir. Nos abraçamos e nos preparávamos para descer para o jantar, quando um dos "ex-garoto problema", subiu com um presente. Alguns dias antes, eu o vi usando um sinto em que a fivela é uma foice e um martelo. Mesmo com um inglês ruim, ele me respondeu que havia comprado em Moscou. Esse foi meu presente. Tentei argumentar e dizer que não, que não era certo, mas ele colocou na minha cintura. Isso me emocionou muito. Vim para cá preparado para encontrar pessoas frias, mas me surpreendi muito com a Rússia. Talvez seja o verão, talvez seja a idade, mas acho que quis ver a Rússia através dos muitos estereótipos existentes e errei. Volto para o Brasil e sei que os russos, salvo alguns itens, são muito parecidos com os Brasileiros.

Tatyana iria embora hoje. Fui com ela até o meu quarto e presenteia com uma piranha e um batique com uma paisagem nortista do Brasil. Expliquei que eram pescadores e uma igreja (como se precisasse explicação). Ela agradeceu e nos abraçamos por alguns minutos. Quando nos separamos, ambos tinham os olhos cheios de lágrimas. Como essas coisas nos pegam quando não esperamos? Eu não sei e agradeço por não saber. Logo ela estará em Moscou e eu no Brasil. Isso não significa que "voltaremos à realidade", pois a realidade nos acompanha sempre. Aqui ou lá, é minha vida e minha vida é só minha. O que aconteceu aqui, não precisa morrer aqui. Seja lá o que será agora, o tempo dirá.

Tínhamos quase uma hora antes de irmos para o passeio de barco noturno, por São Petersburgo, mas fui convocado a terminar a apresentação sobre um projeto que fazemos no Brasil. Tatyana me pediu meu caderno de viagens e minha Moleskine, entreguei e desci para terminar o trabalho.

Encontramos-nos, todos, no térreo. Iríamos de metro até o "ponto das balsas". Tatyana apareceu de mochila e foi até o metro. Fora do Metro, nos despedimos, quando todos já haviam entrado. Entrei no metro, sem olhar para trás. Estava na escada rolante, meio jururu, e sendo escoltado por alguns adolescentes que perguntavam se eu estava bem. Claro que estou bem. Vamos em frente. As linhas do metro, por aqui, são bem profundas e a descida na escada rolante sempre leva, pelo menos, uns dois minutos. Enquanto vasculhava o perímetro, com os olhos perdidos, vi uma figura conhecida. Tatyana estava na escada rolante, há apenas uns quatro degraus acima. "Maior ciêrtzça zaimiárolá". Ficaríamos mais uma estação juntos. Ela desceu do vagão e sorrindo, fitou-me com aqueles grandes olhos, que dessa vez estavam mais brilhantes. Enquanto as portas se fechavam, senti que minhas pernas queriam correr em direção a ela, mas não o fiz. O trem partiu e continuamos nos olhando. Senti medo. Talvez aquele fosse nosso Adeus. Pensei em voltar, mas segui. Ainda recebi uma mensagem dela, no celular, que dizia se sentir amargamente triste. Nem me diga.

O passeio de balsa noturno foi bacana. As fontes dançantes, ou cantantes, foram bacanas. Voltamos para o Hotel e dormi.

Paká


12-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 11,  Amargo.

Hoje passaríamos o dia fora. Uma pequena viagem às fontes de Peter I, the Great, em Peterhof,  a uns 40 minutos de São Petersburgo, de balsa.

Uma guia foi contratada e no caminho do Hotel até a estação de balsas (?). Passamos por alguns pontos turísticos de São Petersburgo. Em um deles vi a única pintura do mundo, segundo os russos, em que Jesus Cristo tem os olhos abertos enquanto é crucificado. Nessa parada ganhei uma Matrioska. Matrioskas são aquelas bonequinhas russas de madeira. A boneca maior esconde uma boneca menor, dentro dela, que esconde uma boneca menor, que esconde uma boneca menor. A Matrioska que ganhei tem seis bonecas. Foi presente de Tatyana.

A próxima parada foi próxima às fontes dançantes, ou cantantes, de São Petersburgo. Enquanto tirava algumas fotos, reparei duas coisas: O comunismo virou uma coleção de itens no porta-malas de um carro soviético e que russos sabem festejar um casamento. Já havia reparado em alguns recém casados em lugares turísticos em Moscou e agora via a mesma coisa em São Petersburgo. Parei próximo ao primeiro casal e fiquei tirando algumas fotos. Não demorou em alguém [do meu grupo], se aproximar e começar a explicação sobre o que estava acontecendo. Depois do casamento no civil, os casais passeiam por alguns pontos turísticos de sua cidade e posam para fotos. Na primeira parada o casal bebe algo amargo, significando a amargura que pode ser a vida (ou o casamento...), assim que o último gole é ingerido, todos os convidados, ou transeuntes, gritam: Amargo, amargo, amargo..., em russo e o casal se beija. O beijo substitui o amargo da boca, pelo doce e todos desejam, ou deveriam, muita doçura e um final feliz para o casal. Enquanto, também, gritava "amargo", alguns convidados do casamento, se aproximaram com copos e nos ofereceram champagne. Aceitei, brindei, desejei felicidades (tudo muito bem traduzido), mas não bebi.  Ahhhhh Vinicius, que Deus te Abençoe, mas "Neste momento há um casamento" e não é sábado.

No ônibus, não entendia lhufas do que a guia falava e aproveitei para ler em meu guia de viagem alguma informação sobre São Petersburgo. Durante a II Guerra Mundial, mais de um milhão de russos morreram em São Petersburgo. Muitos morreram de fome. Os nazistas queriam apagar São Petersburgo da face da terra e mais de 30.000 bombas foram jogadas por aqui. Lia e não conseguia acreditar nisso. De qualquer forma, não foram apenas as bombas, projéteis, granadas que causaram tantas mortes, mas a fome. Não havia comida. A batalha por aqui durou 900 dias. Quando a comida começou a acabar, os sobreviventes contavam com a "ajuda" de uma ração diária de 175g de pão, com o tempo essa ração acabou. Logo os animais de estimação viraram refeição, depois os ratos e pássaros, que, simplesmente, desapareceram de São Petersburgo. A fome ainda apertava quando começaram a cozinhar a cola atrás dos cartazes. Logo mais os cintos eram cozinhados até ficarem moles, o suficiente, para serem comidos e houve alguns causos de canibalismo. Quando a guerra acabou, os "atos de bondade superaram os de vandalismo" e a cidade lentamente voltou ao normal.

Na estação das balsas reparei que existe um preço para Russo e outro preço para turista, que pode ser até três vezes maior. Como turista, achei isso um absurdo, mas eles têm razão. Mais um ponto para levar para casa.

Chegamos às fontes. Lá era a residência de Peter I, the Great, descobri que ele era muito brincalhão. Ele escondia jatos de água pelo jardim e molhava seus convidados. Ráááááá! O Sérginho Malandro poderia ser Czar, se tivesse nascido em outro tempo. Gostei disso. Peter I foi quem trouxe a capital da Rússia para São Petersburgo. Essa área era da Finlândia e virou capital após ser conquistada. Peter I abriu a Rússia para a Europa ocidental. Outra coisa engraçada é que embora a Rússia esteja, em grande parte, na Europa, os Russos geralmente se referem a outros países Europeus, como Europa, mas não a si próprios. Lembrei que o mesmo pode acontece no Brasil com o Brasileiro "médio", como diria um professor de geopolítica. Sei que sou latino, mas sempre que ouço o termo latino, acho que estão falando dos países que se fala espanhol e não de nós, Brasileiros. A língua faz com que nós, brasileiro-médios, sintamos distantes dessa latinidade.

Voltamos de ônibus e comprei mais uma Matrioska. A "boneca" maior é John, dentro dele vem Paul, depois George, depois Ringo e, dentro de Ringo há um besouro, que nojo.

Jantamos, trabalhei um pouco e saí para passear, novamente com a Tatyana. Não desisti e sentamos em algum lugar próximo ao castelo, que fica em uma pequena ilha, que é aonde a cidade começou. Ficamos conversamos abraçados, quando ela me olhou de um jeito que nunca me olharam. Senti um frio, que começou nas pernas bambas, mesmo que estivesse sentado, e foi até a nuca, que se arrepiou. Tatyana é muito reservada e tem várias cascas. Quando não quer responder uma questão, fica em silêncio e quando pergunto novamente ela diz "Schto?" (O que?) e sorri. Ok, essa já entendi. Abracei-a forte e depois de algumas investidas, sem sucesso, disse: "O próximo passo é seu". Ela é uma Matrioska e esse comentário me revelou sua boneca interior. O que aconteceu? Time will tell.

Fui dormir às 5 horas.

Paká





11-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 10, não foi dessa vez.

Hoje o dia seria um pouco diferente. Logo depois das atividades comuns, como ginástica matinal e café da manhã, os jovens receberam uma palestra sobre resolução de conflitos.

O grupo foi dividido em pares. No primeiro exercício um dos jovens fecharia a mão e o outro tentaria abri-la usando qualquer meio possível. Todos dentro de um círculo imaginário e a brincadeira começou. Alguns se esforçam para abrir a mão do outro, enquanto o outro se esforça para não deixar isso acontecer. Mesmo sem nenhuma instrução explicita uma dupla não se agitava, mas negociaram e resolverem esse conflito. Essa dupla era formada por um garoto e uma garota e, inicialmente, o garoto era quem fechava a mão. Exercício terminado, então vamos fazer ao contrário, novamente, muito esforço de quase todos e o mesmo casal continuava conversando. Tempo esgotado e a garota não abriu a mão. O instrutor perguntou para todos como foi o exercício e a única coisa que o garoto respondeu é que "Essa mulher é muito difícil", não amigo, todas elas são.

O próximo exercício faria jus a qualquer programa de seleção de RH. Um avião caiu em um deserto. Você tem 15 itens para levar com você, itens como: Água, faca, óculos, lanternas, capas de chuva, cobertores, ... e Vodka. Cada um fez sua lista de prioridade, baseada nos itens disponíveis. Segunda parte do exercício. Sentem em pares e tentem montar uma lista em conjunto. OK, salvo algumas discussões tudo correu bem. Agora o grupo todo. São dezesseis adolescentes que falam, ao mesmo tempo, e querem coisas diferentes. Demorou um pouquinho e um, ou outro, ás vezes,  tinha que gritar alguma palavra de ordem. O divertido foi perceber que na lista dos meninos a Vodka estava entre os cinco últimos itens, mas nos das meninas estavam entre os cinco primeiros. E depois são os homens que bebem?

Logo depois do almoço, os adolescentes teriam aula de inglês e resolvi passear pelas redondezas. Não imaginava que estava tão próximo do centro. Passei pelo Aurora (Navio que anunciou que a revolução proletariado estava começando), continuei andando, observando, por algumas horas, e cansado voltei para o Hotel. No Hotel ainda tive tempo de conhecer o professor de Inglês. Alan, um inglês com cara de gringo (sacou?) e que morou um ano no Brasil. Não fala mais português, mas conhece um pouco de nossa música. Disse que saiu do Brasil porque era muito quente. Porra! saiu do Brasil porque é muito quente e vem para a Rússia? Bom, acho que esse é o humor inglês - Se for, não entendi a piada.

Hora do Jantar e como sempre, sentei-me com os instrutores e com alguns adolescentes. No final do jantar, começamos a falar sobre trivialidades e sobre as novelas brasileiras. Tudo bem, respondi o que poderia lembrar e fim do jantar. Assim que me preparava para subir para a última atividade do dia, com os jovens, fui convidado à mesa de uns colegas de trabalho. Aceitei o convite e sentei-me. Reparei que todos o três colegas da mesa riam muito, quase que histericamente, mas como havia acabado de me sentar, resolvi esperar a "poeira baixar", mas ela não abaixou. A primeira pergunta que foi feita a mim foi: "Você estava falando sobre cultura Brasileira com os instrutores? Estava discutindo as novelas Brasileiras?", e mais risos. Não quis ser mal educado e falei que, também, estava conversando sobre isso. Continuaram a rir e a fazer outras perguntas cretinas sobre o Brasil. E eu pensando: "Ok, até aonde isso vai? Porque que vou me estressar se o Brasileiro, aqui, esta aqui e sem pagar nada?". Lá pelas tantas acabei dizendo algumas, que resumidamente foi: "Para nós, brasileiros, na Rússia só tem bêbado!" Pronto! A atenção que queria. Reconheço que quando Czares russos já fornicavam por aqui, o Brasil nem havia sido descoberto e reconheço que ainda sei muito pouco sobre a Rússia. Temos estereótipos de todas as culturas e não me irrita quando ouço de um estrangeiro que "No Brasil ninguém trabalha e tem carnaval o ano todo". Para que vou me estressar. Respondo educadamente que essa informação é incorreta e puxo um papo sobre o Brasil. Sim, o Brasileiro festeja e pula carnaval? Sim e ainda bem, mas achar que só fazemos isso no Brasil é demais, não? Também votamos errado e temos memória curta, mas isso eu não conto para os gringos.

Perguntaram se iríamos fazer [no Brasil] um Summer Camp e se alguém da Rússia seria convidado. Eu disse que esperava que sim e que todos eram bem vindos, porém, uma colega dispara: "Mas para que?". Repondo que aparentemente para nada, já que é isso que estou fazendo por aqui. Levanto-me e vou ajudar os adolescentes.

Fui convidado para participar dessa primeira edição do Summer Camp, organizado pela filial Russa da multinacional em que trabalho. Gostei da idéia e nem parei para pensar sobre o que isso significava, já que, quase, toda experiência é válida. Não falo russo e não participei do desenvolvimento do projeto, mas sei me comunicar, quando quero. Vim para cá com o objetivo de fazer os adolescentes se divertirem e isso, posso dizer sem modéstia alguma, que estou conseguindo. Quase sempre sou citado nos mini-projetos deles e nos seus agradecimentos diários. Reparei que uma russa não gostou muito disso, mas não fiz a menor questão de evitar isso. Talvez por isso ouvi um "Mas para que ?". Mais tarde a pessoa responsável pelo projeto, e que estava na mesa, veio até mim e pediu desculpas. Eu? Estressar com isso?

Depois de desejar Boa noite aos adolescentes do meu grupo. Fui andar pela Margem do rio com Tatyana. Escovei os dentes, lavei a cara e lá fui eu. Levei uma blusa de lã, pois São Petersburgo é fria, á noite, e venta na maior parte do tempo. Tatyana estava com as mesmas calças jeans e camiseta do dia, como eu, e havia colocado uma blusa, como eu. Assim que chegamos a margem do rio, eu comecei o "ataque".

Desde que a vi, pela primeira vez, algo aconteceu. Nossos olhares se cruzam com uma boa freqüência (mas isso não impediu que eu errasse: Seus olhos são verdes - Mas parecem azuis), entre sorrisos e gostos em comum, descobertos nestes últimos dias.

Já sabia que ela fizera algumas viagens, pelo mundo, com o namorado, mas ainda não sabia se era o namorado o ex-namorado. Sem perder tempo, perguntei se alguém a esperava em Moscou e ela entendeu o que quis dizer. Fui além e perguntei quem. "Um homem", ela responde. Acho que o mundo girou um pouco mais rápido, naquela hora, pois senti meus joelhos dobrarem um pouco, sem que eu solicitasse. Ok Ok, calma! Provavelmente eu deveria recuar e falar sobre a vida como ela é e pensar na próxima. Mas como se faz isso quando você vê em um o que não vê nos outros? Ela é especial. Tatyana é de pouca fala, mas aqueles grandes olhos verdes dizem muito. Não recuei. Ela disse para irmos em direção ao Aurora. No meio do caminho, sentamo-nos na beira do Rio, juntinhos, enquanto admirávamos o Aurora e a luz da lua refletida na ondas feitas pelas pequenas embarcações. Abracei-a, pois, além de uma leve chuva friorenta ter começado, eu queria ficar mais próximo a ela. Ela permitiu.

Juntos, passei a falar sobre a vida no Brasil e da nossa poesia. Infelizmente a única poesia que poderia recitar é "Ismália" de Alphonsos de Guimarães, que pode até soar bonitinha aos ouvidos de quem, ainda, não fala português, mas quando fosse obrigado a traduzi-la, certamente destruiria o clima, pois alguém me diga quem iria querer ouvir sobre uma jovem louca que se matou? Música é poesia com ritmo e engatei cantando um "Samba da Benção" (Deus abençoe Vinicius de Morais) seguido por um "Preta Pretinha", que fez Tatyana se derreter toda nos meus Braços. Deus abençoe os novos e velhos baianos. Abracei-a ainda mais forte e deixei seu corpo o mais próximo que pude. A mão livre fazia cafuné e descobria a sua nuca, que logo seria coberta com alguns beijinhos. Ela aceitava, mas nada falava. Fui virando seu rosto e senti, seu nariz, gelado, em meu pescoço, depois nas minhas bochechas e, agora era hora, iria consumar o ponto, para o time dos meninos e ÁGUAAAAAAA! Tatyana virou o rosto e me abraçou forte.

Puta que o Paril!

Ficamos mais um bom tempo abraçados e conversamos. Voltamos para o Hotel, abraçados e calados. Ela entende, como eu, que devemos fazer o melhor que pudermos com o que sabemos. Eu fiz e ela fez. Antes de dormir, liguei o IPOD e fiquei ouvindo música até altas horas. Talvez tenha adormecido por volta das 3h.

Não sei.

Paká


10-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 9, Resolvendo conflitos.

Pensei que essa semana, com as crianças, seria tranqüila. Tenho alguns livros para ler e imaginei que os leria a noite no hotel, mas não é nada disso.

Na noite passada fui dormir às 3h30m e acordar às 7h00 não é fácil, mas vamos lá. Tomamos café e voltamos ao cliente que fôramos ao dia anterior. Hoje o dia seria mais prático e eu poderia participar um pouco mais das atividades. Logo que chegamos o dono da gráfica deu um pequeno curso sobre computadores Apple. Para muitos, era a primeira vez que viam um Mac. A apresentação foi toda automatizada. Um computador para cada dois adolescentes, mas a automação da apresentação só permitia que os adolescentes observassem o que o instrutor fazia. Era visível o desespero dos pequenos, que queriam colocar a mão no mouse e fazer a farra. Em um momento o instrutor, talvez por ter percebido a angústia juvenil, permitiu que "brincassem" um pouco. Em pouco tempo descobriram a câmera embutida no Mac e o software que a opera. Pronto! Haviam modernizado o espelho. Olhavam-se, dançavam para a câmera e se divertiam com os muitos efeitos disponíveis no Mac. Tirei muitas fotos, inclusive dos mais tímidos, que riam.

Foi feito um calendário com algumas fotos dos participantes e esse trabalho seria impresso na própria gráfica, enquanto os jovens estivessem por lá. E lá vamos todos, para mais um passeio pela gráfica. Acho que senti certo desapontamento quando foram informados que deveriam descer para o parque industrial, mesmo com as máquinas funcionando. Descemos e quando viram o que estava sendo impresso: Nossa! Todos correram para cima da impressora e tirei muitas e muitas fotos daqueles olhos curiosos.

Filosofia barata.

Qual foi a última vez que viram os olhos curiosos? Acho que a idade tira isso de alguns. Depois de um tempo, achamos que, tudo fica previsível. O casamento, os filhos, as primeiras palavras, as promoções no trabalho, os apertos financeiros, as viagens à praia, os pequenos acidentes, os muitos sorrisos, as saudades, as novas alegrias e as últimas palavras. O cotidiano dá e tira muito. Encontrar o ponto de vida e vivência não é trabalho para gente grande. Definitivamente não é trabalho para gente grande. Quando somos gente grande? Espero que ainda cultive um pouco desse olhar curioso. Não quero que tudo fique chato e previsível, mas sei que todo mundo procura o seu pote de ouro e isso por diversos caminhos, só porque não estão no mesmo caminho que o meu, não significa que estão perdidos.

Voltamos mais cedo e passamos em um parque. Curiosamente é o parque que há apenas dois dias houve um show do Rolling Stones. Já no ônibus, tive que agüentar sono enquanto discutíamos um produto para apresentarmos a noite. Faríamos uma brochura, desses como mapas dobrados, sobre turismo. Não sabiam o que fazer e sugeri que fizessem uma guia do hotel em que estávamos hospedados. Idéia aceita, mas o que escrever? Já que é para brincar de inventar, vamos criar. As mais bizarras histórias apareceram. Sabiam que o grande Ivan IV (ou terrível) foi assassinado em um dos quartos, isso mesmo, do quarto andar? E sua alma ainda volta, vez ou outra, para assombrar os hospedes que se recusaram a acreditar nisso? Além do mais, durante a II guerra, nos 18 meses que São Petersburgo ficou entre bombas e tiros,  muitos quadros raros, prata e ouro nos mais variados formatos ficaram estocados por aqui? E acham que é só isso? Foi aqui que os companheiros Bolcheviques fizeram o seminário que terminou na revolução de outubro que deu origem a URSS. Estão pensando que é pouco? Vladimir Putin, presidente da Rússia, já se hospedou aqui e disse: "Budocrátic" (algo como "serei breve"), eu recomendo.

Precisava dormir de qualquer jeito. No hotel, ainda tinha uns 18 minutos antes do jantar. Dormi. Foram os doze minutos com mais sonhos por R.E.M. que já tive. Escrever sobre os sonhos é difícil, mas em um deles eu era o guarda-costas do Roberto Carlos (El cantor) e ele morria. Bem, ele não morria. Existia uma teoria que ele havia fingido a própria morte e estava morando nos Estados Unidos. Hey, o nosso Rei é Rei até quando morre. Roberto Carlos e Elvis. Bem que algum DJ poderia fazer uma mixagem com esses dois. Seria um enorme sucesso.

Preparamos a brochura e apresentamos. Estava muito boa e com todas as histórias que inventamos... Eu digo, descobrimos sobre o Hotel. Chegamos a terceiro lugar, mas não afetou ninguém. Já no ritual de agradecimento, com as velas, senti-me triste: Foi a primeira vez que percebi que essa semana iria acabar. Como tudo na vida acaba.

Havia combinado que, depois da reunião dos instrutores, iria passear pelo rio com Tatyana, mas a reunião que iria durar quinze minutos acabou durando duas horas.

Bom, fica para amanhã. Vou dormir, já são, novamente, 2h00.

"Sou um passáro que vive avuando, vivo avuando sem nunca mais parar  ai ai ai ai saudade, não venha me matar"

Paká