21 outubro 2007

Setenta-e-um



A edição de outubro de 2007 da Revista Rolling Stone, traz o resultado de uma eleição para definir os 100 maiores discos brasileiros, por sorte esta matéria caiu como uma luva para meu trabalho de conclusão de curso, aqui designado simplesmente TCC. Meu TCC discute sobre a influência da música, em especial dos artistas exilados, na população brasileira durante os 21 anos, 1964 á 1985, da ditadura militar brasilera.
Os 100 maiores discos foram escolhidos por um júri de 60 “estudiosos, produtores e jornalistas” que poderiam escolher os 20 discos, sem nenhum critério específico ou ordem de preferência. A lista contém produções artísticas musicais desde 1950, com Noel Rosa e Aracy de Almeida, até 2003, com Los Hermanos – São mais de 5 décadas de história. Através dessa compilação montei uma pequena lista que deu algumas respostas e forneceu algumas novas perguntas.
Para minha alegria, identifiquei que 51 discos, dos 100 maiores, foram produzidos durante a década de 1970, auge dos “Anos de Chumbo” da ditadura militar. Os “Anos de Chumbo” foi designado para os anos onde a repressão militar foi mais intensidade. Identifiquei, também, que dois artistas ocupavam o primeiro lugar de tais produções, Tim Maia e Caetano Veloso, ambos com 4 álbuns cada e seguidos de perto por Gilberto Gil com 3 álbuns, isso sem contar com as parcerias. Chico Buarque divide a terceira posição, com outros 8 artistas, incluindo Raul Seixas. Porque o foco nestes artistas? Todos, com excessão de Tim Maia,foram exilados, sem entrar no mérito de terem tido um exílio obrigatório ou espontâneo, se é que existiram exílios espontâneos.
Apenas númerar os álbuns não seria prova de qualidade, mas apenas de quantidade, por isso atribui pontos, sendo que o primeiro colocado (Novos Baianos, com “Acabou Chorare” recebeu 300 pontos, o segundo colocado (Tropicália, com Tropicália ou Panis et Circensis) recebeu 297 pontos e prossegui subtraindo 3 pontos até chegar ao centésimo colocado (Egberto Gismonti, com Circense), que recebeu 3 pontos. Desta forma creio que pude quantificar a importância do álbum segundo sua qualificação.
Refiz novamente meus cálculos, com o sistema de pontuação, e confirmei o status de qualidade da década de 1970. Constatei que 55% dos pontos íam para está década, porém com algumas mudanças no ranking dos artistas. Tim Maia permaneceu em primeiro lugar, o segundo lugar foi dividido entre Gilberto Gil e Jorge Ben, o terceiro lugar ficou para o homem que entende a alma feminina, Chico Buarque e Caetano Veloso ficou com o quarto lugar. Nada mal, não?
Os militares ocuparam o poder no Brasil por 21 anos e foi interessante constatar que mais de 2/3 dos melhores álbuns foram feitos durante esse período. Isso não necessariamente concluí minha teoria da influência da música durante a ditadura, mas coloca mais questões na discussão do mercado de música brasileiro. Porque o último grande disco foi feito há 4 anos? Porque a grande concentração de álbuns durante um período marcado pela intolerância e a censura? Ainda encontramos qualidade no “mainstream” musical ou apenas artístas que fazem dinheiro? A música não pode ser instrumento de voz da população? A música não pode unir uma nação?
Talvez seja muito cedo para responder estas questões, mas não custa lembrar que durante um sombrio período de nossa recente história houve uma explosão de criatividade e ousadia que culminou na produção de 71 discos que deveriam fazer parte da disco-grafia de qualquer amante da boa música.
A relação completa dos 100 maiores discos da música brasileira pode ser encontrado no site da revista Rolling Stone.

11 outubro 2007

an.si.e.da.de

an.si.e.da.desf (lat anxietate) 1 Aflição, angústia, ânsia. 2 Psicol Atitude emotiva concernente ao futuro e que se caracteriza por alternativas de medo e esperança; medo vago adquirido especialmente por generalização de estímulos. 3 Desejo ardente ou veemente. 4 Impaciência, insofrimento, sofreguidão.


Aeroporto lotado, milhares de ombros lado-a-lado á espera dos passageiros de mais um vôo que, com sorte, não atrasará.

- É sempre assim nessas vésperas de feriado. – Exclama para uma bela galega, ao seu lado, tentando puxar papo.

- É, lotado. – Responde sem nenhuma empolgação.
Percebe que se quiser engatar em um papo com a galega terá que se esforçar mais, porém, tinha pouco tempo e resolveu ir com tudo.

- É... – Hesita.

- Você não é daqui, é? Esperando o namorado? – Pergunta sem pudor.

- Não, não sou e estou esperando meu irmão que vai passar o feriado comigo. – Responde, agora com certa educação.

- Feriado em São Paulo? Legal...
Sente uma facada em suas costas e pensa em melhores modos de continuar a conversa, sem parecer mais um “paulistano-ô-lôco-meu”.

- É... São Paulo é uma boa cidade. Sempre tem alguma coisa acontecendo. Acho até que os museus ficarão abertos e, talvez, hajam algumas boas peças para assistir ou baladas, sei lá.

- Não, não. Vamos p’ra praia. Uma amiga da faculdade tem uma casa na praia e vamos para lá. E você, quem você esta esperando ?

- Bom, eu... eu... estou esperando minha... minha irmã. Minha irmã e os filhos. Eles vão passar uma temporada na casa dos meus pais. Bom, nossos pais. Ela se separou do marido... ou o marido se separou dela. Não sei.

- Ah! Que triste, mas ela esta bem, certo ? – Pergunta a galega.

- Acho que sim. Bom, escuta, qual é seu nome? Estamos conversando e nem sei seu nome.

- Fernanda e o seu ?

- Nossa, que coincidência. Fernando, meu nome é Fernando.

- Tu tá de brincadeira ?

- Não, de maneira alguma. Prazer, Fernando. Olha – Disfarça olhando para o chão -  posso pedir uma coisa?

- Humnnnn, o quê?

- Seu telefone! Você esta aqui em São Paulo e, sei lá, poderíamos marcar de fazer alguma coisa.
Partira para o tudo. Se ela não desse o telefone, tudo bem. Já ouvira não de outras vezes e sua habilidade de se adaptar o extinguira de qualquer apego á derrota, até então.

- Meu irmão chegou. Ele é aquele ali. Esta vendo? – Interrompe o assunto.

- Ah, sim. Legal.

- Tenho que ir. Bom te conhecer, nos vemos por aí. – Diz, Fernanda, indicando que a tentativa de Fernando não vai dar em nada.

Fernando ainda pensa em argumentar, mas prefere fazer o que faz de melhor. Desde a infância era capaz de simular choro, suor, arrepios e o que mais quisesse. Seu rosto dizia uma coisa, sua boca dizia outra e sua percepção do mundo era como a de todos deveriam ser: Sua. Não era mal, mas não tinha grandes desejos ideológicos de mudar o mundo para um lugar melhor. Queria realizar suas vontades e só, mas havia esquecido isso há alguns anos.

- Ah! Adeus – Despede-se com cara de quem perdeu tudo.
Fernanda o olha, fica com dó e pensa em todas as coisas que se arrependeu por não ter feito e decide dar seu número de celular à Fernando.

- Olha aqui. Devo voltar da praia lá pela quarta-feira. Você tem como anotar meu número ?

Ponto para Fernando.

- Claro, pode falar que anoto no celular. – Diz enquanto enfia a mão no bolso.
Números declamados e anotados. Despedem-se e Fernando permanece na luta dos ombros e pescoços. Enquanto isso uma revolução interna começara. Fernando sente uma certa dor no peito e tem a boca seca. Não sabe bem o que é isso. Faz esportes desde que se entende por gente e dificilmente fica doente.
Ao longe vê uma mulher e outras duas crianças. É por elas que Fernando aguarda e gesticulando revela sua posição para os recém-chegados. As crianças correm em sua direção gritando “Pai-ê, Pai-ê!”. Fernando aguarda e sorri. É inútil tentar enganar o nobre leitor que a mulher, com as crianças, não é sua esposa.  Fernando é casado e tem um casal de filhos. Mariana, 5 anos, e Vítor de 4 anos. Sua esposa vem em sua direção, beija-o dizendo que sentiu saudades.

- Eu também. Eu também. – Diz Fernando.

- Podemos ir ? Não estou me sentindo muito bem. Até estou com a boca seca e com frio.  – Diz sem comentar sobre a dor no peito e, agora, a sensação de falta de ar.

- Sim, vamos. Crianças, vamos indo, podemos matar a saudade em casa. – Diz a mãe e esposa.


Adepto do tudo ao mesmo tempo agora, Fernando preferiu reprimir seus desejos e vontades a muito tempo. Agora era casado e seguia o caminho padrão que fora desenhado por outros. Não lhe faltava vontade própria, mas cansado de nunca encontrar a “resposta”  decidiu lutar pelo o que era esperado. Casou-se com sua primeira namorada do colégio. Foi um belo casamento pago pelo pai da noiva. Logo vieram as cobranças por crianças e Mariana veio ao mundo sendo recebida com todo amor de seus pais e demais familiares. Tinha tudo o que precisava, tinha uma família, uma casa, dois carros e dois cachorros. Era uma vida tranquila. Fernando queria mais, queria os frios na barriga que outrora tivera. Tinha medo, como todos, mas queria mais e mais.

No carro, Fernando é o motorista e deixa o carro morrer na primeira tentativa. Sua família brinca com ele por isso, mas ele apenas sorri amarelo. Dirige, mas com uma enorme dificuldade. Dirige, mas não consegue se concentrar no trânsito e na conversa familiar ao mesmo tempo. Sua dor no peito e falta de ar o apertam e o confundem. Já estavam na avenida principal quando, talvez pelo sol, Fernando não percebe o farol vermelho para ele e sua família. Acelera e apenas para quando seu carro atinge um caminhão cegonha que cruzara seu caminho.

Ninguém sobrevive.

O enterro aconteceu em uma quarta-feira chuvosa. Muitos amigos, conhecidos e colegas estão presentes, mas não há alvoroço. Nas pequenas rodas de amigos a lembrança mais forte era da alegria e disposição que Fernando encarava tudo.
Seu lema era repetido por seus conhecidos.

Não era o momento para esta discussão, mas alguns conhecidos comentavam que tal lema deveria estar no epitáfio da família ou, ao menos, na de Fernando.

...

Passados alguns anos um gótico bêbado perâmbula por algum cemitério da cidade. Entre um gole de vinho e outro encontra uma bela, porém simples, lápide. Ele para, olha, lê o epitáfio, ri e continua seu caminho.

Em uma simples fonte e acima do nome de um tal de Fernando, para quem quiser ver,  lê-se: Relaxa !