12 agosto 2007

01 - Diário Secreto Alemão - Agosto/2007

Gruess Gott!

Estou no Alemanha :-)

A última vez que eu foi aqui fui em 2004. Eu gosta muito de Alemanha. Aqui eu me sinta segura. Eu anda com Ipod, com celular e com dinheiro e ninguém meche comiga. No Brasil não é assim... Infelizmente, ainda, não é assim. Vote em João para Presidente. Não tenho rabo preso com ninguém e vamos fazer um Brasil melhor. Vamos importar o que há de bom pelo mundo e vamos exportar o que de bom temos em casa, pelo preço justo.

O vôo da Rússia para München foi tranqüilo, mas como já disse: Estou cada vez mais medroso. Para variar sentei-me ao lado de uma senhora que a cada balançada, segurava forte na mão de seu marido. Ainda bem que o medo de avião não supera a vontade de conhecer outros lugares, lugares diferentes. Hoje li que sempre usamos nossa cultura como ponto de referência para interpretar outras culturas (etnocentrismo). Quando chegamos a um lugar completamente novo a metáfora utilizada é de como alguém, nascido cego, enxergaria o mundo pela primeira vez. Certamente estaria confuso e todas aquelas cores e formas demorariam algum tempo para fazer algum sentido. Esse é o trabalho de um antropólogo e não sou isso. Sou apenas um perdido curioso.

Como já disse, acima, em meu sotaque tupi-germânico, estou de volta á Alemanha. Dê Abril á Agosto de 2004 tive o prazer de morar por aqui. Até a pouco tempo dividiria minha vida em duas partes: Antes e depois de morar na Alemanha. Bom, não necessariamente Alemanha ou Europa. Morar fora de casa, em outro mundo, por assim dizer, abre nossa cabeça para a beleza das pequenas coisas e, muitas vezes, principalmente das pequenas coisas que não fizemos quando podíamos. A vida não acabou, mas começou, então faça o que tem que ser feito,  agora. Projete-se para amanha e minta para os nãos da vida. Não sei as tuas respostas, não sei as minas respostas e o que, ainda, me move é minha curiosidade do que ainda não vivi.

É muito bom voltar para a Alemanha. Aqui, de alguma forma, entendo o que o povo fala. Sei ler o que, algumas, palavras que vejo e sei ir e vir, na medida do possível, sem restrições. Estou colocando meu escasso alemão à prova e pretendo continuar assim. Cheguei ao aeroporto de Munique, liguei para casa, passei pela imigração e comprei um dicionário inglês-alemão (estou enferrujado). Logo que comprei o tíquete de trem, em alemão, corri para a plataforma. Esqueci muita coisa, esqueci que, às vezes, a porta do metro não se abre e é necessário apertar um botão. Não é preguiça alemã, mas imagina no inverno, aquele frio danado, e a porta se abrindo para ninguém entrar. Ninguém, não. O frio.

Mesmo sabendo ir e vir, isso não significa que não cometa erros. Pois é, depois que peguei o trem para a estação principal, teria que pegar um S-bahn (Metro/bonde) para o Albergue. Tinha todas as coordenadas, mas peguei o S-bahn para o lado errado. Tudo bem, tudo bem. Isso só me tomou alguns minutos e quando cheguei á estação correta, percebi que estava chovendo. Parei, pensei e enfrentei a chuva por apenas cinco minutos, até chegar ao Albergue. É sempre bom relembrar que só existem três coisas que não gosto: Relógios de pulso e guarda-chuvas.

O albergue alemão é muito organizado. Tratei de me comunicar em alemão e tudo tranqüilo. O quarto é no primeiro andar e tem seis camas, dividas em três beliches. Estou na cama inferior do beliche mais próximo á porta. Temos duas pias e um armário/locker para deixar tudo. Já havia empurrado tudo para o locker quando notei que não tinha roupa de cama e toalha. E lá vou eu novamente para a recepção. Agarrei roupa de cama e tentei comprar água em uma dessas vending machines, mas só tinha água com gás. Pronto, lembrei uma birra que tenho com a Alemanha. Perguntei a recepcionista aonde poderia comprar água sem gás e ela responde: Pode beber da torneira. Lembrei: isso é Alemanha. Há três anos o pai de um amigo alemão, aqui na Alemanha, leu uma nota de jornal, para mim, que fora feita uma pesquisa (dessas de qualidade) com diversas marcas de água mineral e com a água da torneira. O resultado foi que a água da torneira, por aqui, é mais saudável e limpa que a água mineral.

Eu não errei. Quando disse que existem três coisas que não gosto e só disse duas. A terceira coisa é o elemento X. X é coisa que eu não gosto em um dado momento. Pode ser em um ano, um dia, um segundo e etc. Nesse exato momento eu odeio a saudade que sinto de você.

Wiederschreiben!

07 agosto 2007

17 - Mandamentos na Rússia

Dia, tanto faz.

Estou de saída para o aeroporto e compilei os meus 10 mandamentos do viajante na Rússia. Espero que seja útil para os futuros desbravadores e, também, espero que sirvam para mostrar, a quem aqui vier, que a Rússia é muito mais do que imaginamos ou vemos de casa.

- Aprenderás algumas expressões, em Russo.
    Não é todo mundo, na Rússia, que fala inglês. Mas se falar algumas poucas expressões, em russo, aumentarás sua possibilidade de seres bem-vindo.

- Sorrirás ao alheio.
    Sua cara é seu cartão de visita. Um sorriso franco pode gerar a empatia necessária para iniciar qualquer bate-papo

- Andarás de óculos escuros, quando possível.
    É melhor para observar, sem chamar a atenção. Vale para tudo, inclusive para as belas russas que andam provocantemente soltas por essas ruas.

- Andarás com a fotocópia de seu passaporte.
    Infelizmente alguns policiais podem tentar molestar turistas. Ande com uma fotocópia de seu passaporte, onde se possa ver a foto e o visto.

- Estarás atento á teus bens pessoais.
    Essa é simples, não. Evite andar com muito dinheiro na carteira e tenha sempre uma quantia reserva na sinta turista (Aquela que anda debaixo da calça ou camisa).

- Esqueçerás tua dieta.
    Vir à Rússia e ter restrições alimentares é deixar uma parte da experiência desconhecida. Coma as delícias Russas, Ucrânianianas e Cáucasas, em geral.

- Tirarás muitas fotos e/ou filmarás muitas horas.
    Muitas e muitas. Não há como evitar.

- Beberás Vodka.
    Os Russos são famosos por muitas coisas e a Vodka é uma delas. Russos, bebem Vodka pura e em pequenos copos, como tequila, e podem cheirar um pão preto depois, de acordo com a tradição local.

- Jamais beberás dessa água.
    A não ser que seja fervida por, pelo menos, 10 minutos ou seja mineral. A bactéria Giardia Lamblia pode causar dolorosas cólicas estomacais, diarréia e gases. Os sintomas podem aparecer semanas depois do contato e o tratamento pode durar anos.

- Comprarás Matrioskas.
    Não são umas gracinhas aquelas bonequinas russas de madeira? Algumas pessoas são matriokas, também.


Até a próxima.

Da svidânia !

06 agosto 2007

16-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 15, último dia.

O bom de acordar com tempo é que podemos pensar nos sonhos que acabamos de ter. Sonhei que tinha aula de matemática, na faculdade de humanas, e não tinha feito à lição de casa. Que pesadelo, faço humanas porque tenho pavor de matemática e ainda acontece uma coisa dessas? Outro sonho tinha a ver com minhas viagens, sonhei que voltara da Rússia para o Brasil e depois iria para a Alemanha novamente, ou algo assim. O sonho final foi bem real. Sonhei que não iria para a Alemanha, mas sim para a Finlândia e depois para a Alemanha. Esse bem que poderia ser verdade, mas, quando acordado, me convenci (mais ou menos) que o melhor é conhecer mais um pedaço da Alemanha e conheceria a Finlândia com mais tempo, no futuro.

Minha andança começou, mais ou menos, ao meio-dia. Depois de um café da manhã reforçado planejei por onde andaria e assim o fiz. Dessa vez minha andança seria musical. Coloquei o Ipod e Beatles no talo, "I wanna hold your hand", "All you need is love", "Something" e dezenas outras mais me acompanharam enquanto eu andava e dançava sob o sol de uns 35 Graus. Ah! O verão! Minha primeira parada foi entre as grandes colunas próximas as fontes cantantes (ou dançantes). É lá que muitos casais vão tirar suas fotos de casamento. Os casais chegam em cumpridas limosines ou Hammersines (Eu inventei essa palavra?) e vão tirar fotos. Já que um casal estava chegando, decidi que iria esperar e tirar algumas fotos minhas. Valeu a pena. Embora seja um casamento russo reparei em alguns detalhes, comuns aos casamentos Brasileiros. Primeiro, o noivo sempre tem uma cara de estar feliz, mas envergonhado. Segundo, os amigos do noivo acham tudo muito lindo e muito engraçado. Terceiro, as mulheres sempre choram e quarto, talvez a mais sagradas das tradições, tem sempre alguma solteirona que fica arrumando o véu da noiva. Nesse casamento, alguém teve a infeliz idéia de trazer pombas brancas para os noivos soltarem para a liberdade. Oh, que esses ratos com asas voem para o céu infindo da amada Mãe-Rússia. Bom, depois de algumas dezenas de fotos dos noivos com as pombas nas mais variadas posições possíveis, é chegada à hora de solta-las para a liberdade. A noiva solta sua pomba e ela alça um belo vôo. O noivo solta sua pomba e ela... não voa. O noivo, já embaraçado com toda a situação, chacoalha, assopra as mãos e enquanto isso a noiva ri, assim como todos os convidados e, também, esse que vos escreve. Por fim, a pomba decide voar para a liberdade e deixa um presente de casamento na mão do noivo.

Eu sempre choro em casamentos.

Continuei minha andança e fui até a Fortaleza de Peter e Paul. Foi lá que São Petersburgo começou. Fica em uma ilhota e conta com museus, igreja e um grande muro que pode ser escalado e usado como ponto de observação da cidade. Antes de escalar o tal muro, resolvi me sentar e pensar na vida um pouco, pois é, amigos, hoje estava pensativo. Sentei-me em um banco qualquer de frente para a igreja, enquanto os sinos dobravam. Nem sei por quanto tempo fiquei por lá, mas valeu a pena. Quando estava alcançando a iluminação da minha vida, através da meditação, fui interrompido por um senhor que identificou-se como guia, em inglês. Agradeci e disse que já estivera ali antes e estava só pensando na vida. Ele entendeu e, ainda, ofereceu em me levar a uma loja de souvenires que tem o melhor preço de São Petersburgo. Agradeci e conversamos um pouco. Ele se chama Alex, russo, e morou nos Estados Unidos da América por alguns anos e agora é guia turístico em São Petersburgo. Me despedi e ele disse algumas palavras em português. Aquilo me fez pensar nos pontos turísticos de São Paulo e como eles são oferecidos á estrangeiros. Preciso voltar a esse tema.

Andei e andei. Passei por diversos pontos turísticos. Passei pelo Mars Field, uma belíssima praça com uma chama que nunca se apaga em memória de algum morto. Passei, novamente, pela igreja do Salvador do Sangue derramado (aquela com o Jesus crucificado com olhos abertos). Talvez não gastei o tempo necessário explicando essa igreja. Ela lembra muito a famosa igreja russa da praça vermelha. Essa mesma. Porém suas cores são mais calmas. Azul e verde dividem espaço nos grandes domos. Diversas pinturas representando passagens sagradas. Sem duvida é uma bela igreja. Entrei em um dos parques em volta da igreja e sentei-me nas escadarias do Museu Russo, que hoje esta fechado, e pensei. Acho que encontrei uma solução ou, pelo menos, os próximos passos. Não seria justo em divulgá-los, por que não sei como será.

Depois do almoço procurei livros de Stanislavsky, em Inglês, mas não achei nada. Comprei alguns souvenires para amigos no Brasil. No caminho para o hotel, pensei em posar para um daqueles Portraits que os artistas fazem caricaturas ou seu retrato em grafite, achei melhor não. Posso fazer no Brasil. Aqui tenho que ver coisas diferentes e acho que vi. A Rússia é um ótimo país e de muitas surpresas. Quem vier para cá que venha com a cabeça e o coração preparados.

No último dia de acampamento, quem leu sabe, Tatyana pediu meu caderno de viagem e minha Moleskine. Ela devolveu e escreveu algumas linhas em russo. Havia tentado traduzi-las, mas meu dicionário russo contém apenas frases que turistas dizem, como: "Eu não falo russo" e "Cerveja, por favor". Pedi, então, que a recepcionista do hotel traduzisse e assim ela o fez e a tradução, do inglês, feito pela recepcionista pode ser lida abaixo:

“... Para ser forte, para ser fraco na vida onde não se pode curar seu sofrimento com chocolate e rindo dos outros...”.

Como disse Vinicius, “... A vida é para valer. E não se engane não, tem uma só. Duas mesmo, que é bom, ninguém vai me dizer que tem ser provar, muito bem provado. Com certidão passado em cartório do céu e assinado embaixo: Deus. E com firma reconhecida. A vida não é de brincadeira, amigo. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida..."”.

Paká

15-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 14, "Here, there and everywhere"

Ahhhhh! Como é bom acordar a hora que se quer, não? Acordei tarde e enrolei mais um pouco na cama.

Tive um sonho estranho, que bem que poderia ser verdade. Saí do Brasil bem no meio dessa crise aérea toda. Bem, a crise aérea começou no ano passado, depois do acidente com o avião da Gol, e continua até agora, com o acidente da TAM. Li na internet que nosso excelentíssimo presidente, Lula, trocou o ministro, trocou a estilista, fez mais uma cara de que não sabia de nada e nada mudou. Acho que meu sonho veio bem a calhar. Sonhei que o Lula havia sofrido um acidente de avião. O Air Force One Brasileiro caiu em São Paulo e só o Lula sobreviveu. Sobreviveu, mas ficou malzão. A Marta, que já relaxou e gozou, foi umas das poucas pessoas que pode entrar no quarto em que nosso presidente estava recebendo o melhor tratamento que o nosso dinheiro pode comprar e forneceu algumas fotos para a imprensa tupiniquim. As fotos não eram da melhor qualidade. A cor, iluminação e enquadramento não eram lá grande coisa, mas o povo brasileiro podia ver o nosso pobre presidente acordado e sorrindo, mesmo que estivesse sem barba, com algumas costelas quebradas, rosto um tanto quanto inchado e algumas cicatrizes, para levar pela vida. Será que o presidente ter sobrevivido, no meu sonho, é uma vitória da democracia?

São Petersburgo, vamos lá.

Saí andando e tentei encontrar algum ponto de referência para voltar para o Hotel, mais tarde. Sem problemas. Meu objetivo era conhecer a Hermitage. A Hermitage fica no antigo palácio de inverno dos czares russos e agora é um grande museu. Dizem que se um decidir olhar por um minuto todas as esculturas e pinturas, que lá estão, levaria doze anos para ver tudo. Eu não tenho tanto tempo. Depois de rodar um pouco em volta do prédio, achei a entrada para turistas solos. Essa entrada fica em uma praça com um obelisco (não sei o nome). Havia comentado anteriormente, que estrangeiros pagam até três vezes mais caro em passeios, museus e etc., porém, para minha sorte, estudantes pagam bem menos. Apresentei minha carteira mundial de estudante, original, adquirida na Pizza Hut, e paguei 1/4 do valor. Bem melhor que 1/2. Outro dia, aí no Brasil, fui ao cinema e fui informado que minha carteirinha de estudante-jovempan-pizza-hut não seria aceita. Não entendi por que.

Entrei com minha câmera e tirei muitas fotos. Existem obras do mundo inteiro por aqui. Como, também, já disse. Não manjo muito de arte, mas sei reconhecer um Rembrandt ou um Picasso e isso vi por aqui. Devo ter ficado umas três horas passeando por todos os corredores possíveis e mesmo assim sei que não vi nem a metade de todas as obras expostas. Quem vier a São Petersburgo, sugiro que venha com um bom tempo e com a barriga cheia para a Hermitage.

Saí de lá e fui comer um Donner Kebab (churrasquinho grego turco). Outro dia um adolescente russo me perguntou qual era a minha comida predileta no Brasil. Sem nem parar para pensar, respondi: Japonesa.

Subi a torre da Catedral de São Isaac e olhei a cidade toda lá de cima. Não estava no clima de pensar na vida e cansado voltei para o hotel. No hotel, verificando minhas coisas, descobri (relembrei) que volto para o Brasil no dia 15 de agosto e não no dia 12 de agosto. Que tristeza, agora terei que gastar mais uns dias na Europa. Droga!

Revisei meus textos, conectei á internet (conexão discada) e fiz o upload de alguns. Alguém aí, ainda, se conecta á internet por conexão discada? Talvez não se lembrem, mas é lento. Leeeeeennnnnntttoooooooo.... Recebi um e-mail de um amigo alemão, que mora na Suíça, (globalização é uma coisa, não?) e ele me disse que o metro/trem estará em greve na Alemanha na próxima quarta-feira. Não entendi e comecei a rir. O que? Greve na Alemanha? O que esse povo quer mais? Eles já têm cerveja, loiras e Donner Kebab e ainda fazem greve? Esse mundo não é mais o mesmo.

Custava a dormir e só consegui pegar no sono ouvindo Beatles. "To lead a better life I need my love to be here..."

Paká



14-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 13,  sozinho.

Havia colocado o despertador para as 8 horas e 30 minutos, mas "snoozei" o despertador até às 11 horas.

Fiz minhas malas e tomei um rápido café da manhã, antes que os poucos remanescentes do grupo fossem para, ainda, um último passeio. Fomos até o Aurora (o navio que anunciou o inicio da revolução), voltamos almoçamos e fomos para a estação de trem. Onde me despedi do grupo.

Fui de táxi para o meu novo endereço em São Petersburgo. Um pequeno, porém ajeitado hotel no oeste da cidade á cerca de 20 minutos, a pé, do centro histórico. Antes de me instalar procurei a camareira, pois deveria lavar a qualquer custo minhas roupas e descobri que só voltarão em dois dias, bom, isso é melhor que nada. Estou no térreo e fiquei preocupado com a história das pulgas. Ouvi dizer que quando começa a esfriar e os hotéis, casas e etc, ligam o sistema de aquecimento, as pulgas, que até então estão embaixo dos edifícios, começam a sentir frio e procuram o calor do térreo. Ainda bem que tenho mais alguns dias de verão, por aqui.

Passei o resto da tarde revisando os diários, lendo e preparando o itinerário de manhã.

Paká

05 agosto 2007

13-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 12,  despedida.

Acordei no horário, mas com um mal-humor daqueles. Era nosso último dia no Summer Camp.

Logo depois do café da manhã, os adolescentes teriam que preparar suas encenações sobre o dia. Subi com o grupo que fazia parte e enquanto eles discutiam e trabalhavam, eu fiquei transcrevendo uma música em russo para o meu caderno. Bom, se algum russo vir aquilo, certamente não entenderá nada, se algum brasileiro vir aquilo, também não. Escrevi os sons russos do jeito que poderia lembrar de como canta-los depois. O refrão conta como o coração do apaixonado parou e depois suspirou, quando viu a amada. "Maior ciêrtzça astavilos/Maior ciêrtzça zaimiárolá". Ainda assisti um dos ensaios em que cada um dos instrutores era representado. Quem me representou foi um dos "garotos problemas" lá do começo da semana. Ninguém mais é "problema" de ninguém e nem de nada, inclusive esses dois se mostraram grandes homens. Na encenação eu era o que se esforçava em dizer alguma coisa, em russo, depois procurava o dicionário para dizer outra coisa, mas todos respondiam, em inglês, á indagação que, ainda, nem havia feito. Explodi em risos.

As apresentações começariam depois do almoço. Todas elas correram como planejadas e eu, também, tinha que apresentar alguma coisa, mas antes resolvi presenteá-los com uma lembrança do Brasil. Antes de entregar o que havia trazido, perguntei o que eles conheciam sobre o Brasil e falei sobre algumas coisas. Perguntei o que eles conheciam sobre a Amazônia e alguém responde: "Piranha!" Pronto, agora sabiam meu presente para os meninos. Brinquei um pouco e contei que as piranhas comem outros peixes, gados e, ocasionalmente, algum humano perdido. Entre essas explicações, procurei alguém que estivesse mais assustado e admirado com essas histórias. Era Sascha, uma menina de 14 anos. Aproximei-me bem dela e, sem que percebessem, já tinha uma piranha (chaveiro) na minha mão. Perguntei á Sasha se ela já havia visto uma piranha. Ela disse que não. Então revelei. Suspiro assustado. A pobre se assustou com os dentes da piranha. Presenteei as meninas com outro tipo de chaveiro, que consiste de uma semente (acho que é Pau-Brasil, pelo menos eles acham que é) e algumas fitinhas do Senhor do Bonfin presas a ela. Tudo bem colorido. Foi suficiente para o grupo todo. Depois teria que fazer uma apresentação. Arrumaram um violão e eu, que só toca para a platéia de um só, tive que tocar para a turma toda. Violão, pose, algumas notas, pedi palmas e cantei... cantei meia estrofe e a voz me falhou. Toquei mais um pouco sem cantar, tentei novamente e mais uma vez a voz falhou. Olhei para a minha platéia, que já não entendia nada, fui para o refrão e parei. Suado e envergonhado, agradeci e saí.

Falar é fácil, tocar não.

Um outro instrutor mandou bem. Tocou duas canções russas, daquelas que são velhas, mas todo mundo conhece. Uma outra instrutora, com a ajuda do irmão que tocava o piano, cantou alguma outra canção russa e logo iríamos para a última atividade com todos juntos. Fizemos um grande bate-papo e graças a Serguey, que traduziu tudo, entendi tudo. OK, menos uns bla-bla-blas que Serguey recusou-se a traduzir. Nos abraçamos e nos preparávamos para descer para o jantar, quando um dos "ex-garoto problema", subiu com um presente. Alguns dias antes, eu o vi usando um sinto em que a fivela é uma foice e um martelo. Mesmo com um inglês ruim, ele me respondeu que havia comprado em Moscou. Esse foi meu presente. Tentei argumentar e dizer que não, que não era certo, mas ele colocou na minha cintura. Isso me emocionou muito. Vim para cá preparado para encontrar pessoas frias, mas me surpreendi muito com a Rússia. Talvez seja o verão, talvez seja a idade, mas acho que quis ver a Rússia através dos muitos estereótipos existentes e errei. Volto para o Brasil e sei que os russos, salvo alguns itens, são muito parecidos com os Brasileiros.

Tatyana iria embora hoje. Fui com ela até o meu quarto e presenteia com uma piranha e um batique com uma paisagem nortista do Brasil. Expliquei que eram pescadores e uma igreja (como se precisasse explicação). Ela agradeceu e nos abraçamos por alguns minutos. Quando nos separamos, ambos tinham os olhos cheios de lágrimas. Como essas coisas nos pegam quando não esperamos? Eu não sei e agradeço por não saber. Logo ela estará em Moscou e eu no Brasil. Isso não significa que "voltaremos à realidade", pois a realidade nos acompanha sempre. Aqui ou lá, é minha vida e minha vida é só minha. O que aconteceu aqui, não precisa morrer aqui. Seja lá o que será agora, o tempo dirá.

Tínhamos quase uma hora antes de irmos para o passeio de barco noturno, por São Petersburgo, mas fui convocado a terminar a apresentação sobre um projeto que fazemos no Brasil. Tatyana me pediu meu caderno de viagens e minha Moleskine, entreguei e desci para terminar o trabalho.

Encontramos-nos, todos, no térreo. Iríamos de metro até o "ponto das balsas". Tatyana apareceu de mochila e foi até o metro. Fora do Metro, nos despedimos, quando todos já haviam entrado. Entrei no metro, sem olhar para trás. Estava na escada rolante, meio jururu, e sendo escoltado por alguns adolescentes que perguntavam se eu estava bem. Claro que estou bem. Vamos em frente. As linhas do metro, por aqui, são bem profundas e a descida na escada rolante sempre leva, pelo menos, uns dois minutos. Enquanto vasculhava o perímetro, com os olhos perdidos, vi uma figura conhecida. Tatyana estava na escada rolante, há apenas uns quatro degraus acima. "Maior ciêrtzça zaimiárolá". Ficaríamos mais uma estação juntos. Ela desceu do vagão e sorrindo, fitou-me com aqueles grandes olhos, que dessa vez estavam mais brilhantes. Enquanto as portas se fechavam, senti que minhas pernas queriam correr em direção a ela, mas não o fiz. O trem partiu e continuamos nos olhando. Senti medo. Talvez aquele fosse nosso Adeus. Pensei em voltar, mas segui. Ainda recebi uma mensagem dela, no celular, que dizia se sentir amargamente triste. Nem me diga.

O passeio de balsa noturno foi bacana. As fontes dançantes, ou cantantes, foram bacanas. Voltamos para o Hotel e dormi.

Paká


12-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 11,  Amargo.

Hoje passaríamos o dia fora. Uma pequena viagem às fontes de Peter I, the Great, em Peterhof,  a uns 40 minutos de São Petersburgo, de balsa.

Uma guia foi contratada e no caminho do Hotel até a estação de balsas (?). Passamos por alguns pontos turísticos de São Petersburgo. Em um deles vi a única pintura do mundo, segundo os russos, em que Jesus Cristo tem os olhos abertos enquanto é crucificado. Nessa parada ganhei uma Matrioska. Matrioskas são aquelas bonequinhas russas de madeira. A boneca maior esconde uma boneca menor, dentro dela, que esconde uma boneca menor, que esconde uma boneca menor. A Matrioska que ganhei tem seis bonecas. Foi presente de Tatyana.

A próxima parada foi próxima às fontes dançantes, ou cantantes, de São Petersburgo. Enquanto tirava algumas fotos, reparei duas coisas: O comunismo virou uma coleção de itens no porta-malas de um carro soviético e que russos sabem festejar um casamento. Já havia reparado em alguns recém casados em lugares turísticos em Moscou e agora via a mesma coisa em São Petersburgo. Parei próximo ao primeiro casal e fiquei tirando algumas fotos. Não demorou em alguém [do meu grupo], se aproximar e começar a explicação sobre o que estava acontecendo. Depois do casamento no civil, os casais passeiam por alguns pontos turísticos de sua cidade e posam para fotos. Na primeira parada o casal bebe algo amargo, significando a amargura que pode ser a vida (ou o casamento...), assim que o último gole é ingerido, todos os convidados, ou transeuntes, gritam: Amargo, amargo, amargo..., em russo e o casal se beija. O beijo substitui o amargo da boca, pelo doce e todos desejam, ou deveriam, muita doçura e um final feliz para o casal. Enquanto, também, gritava "amargo", alguns convidados do casamento, se aproximaram com copos e nos ofereceram champagne. Aceitei, brindei, desejei felicidades (tudo muito bem traduzido), mas não bebi.  Ahhhhh Vinicius, que Deus te Abençoe, mas "Neste momento há um casamento" e não é sábado.

No ônibus, não entendia lhufas do que a guia falava e aproveitei para ler em meu guia de viagem alguma informação sobre São Petersburgo. Durante a II Guerra Mundial, mais de um milhão de russos morreram em São Petersburgo. Muitos morreram de fome. Os nazistas queriam apagar São Petersburgo da face da terra e mais de 30.000 bombas foram jogadas por aqui. Lia e não conseguia acreditar nisso. De qualquer forma, não foram apenas as bombas, projéteis, granadas que causaram tantas mortes, mas a fome. Não havia comida. A batalha por aqui durou 900 dias. Quando a comida começou a acabar, os sobreviventes contavam com a "ajuda" de uma ração diária de 175g de pão, com o tempo essa ração acabou. Logo os animais de estimação viraram refeição, depois os ratos e pássaros, que, simplesmente, desapareceram de São Petersburgo. A fome ainda apertava quando começaram a cozinhar a cola atrás dos cartazes. Logo mais os cintos eram cozinhados até ficarem moles, o suficiente, para serem comidos e houve alguns causos de canibalismo. Quando a guerra acabou, os "atos de bondade superaram os de vandalismo" e a cidade lentamente voltou ao normal.

Na estação das balsas reparei que existe um preço para Russo e outro preço para turista, que pode ser até três vezes maior. Como turista, achei isso um absurdo, mas eles têm razão. Mais um ponto para levar para casa.

Chegamos às fontes. Lá era a residência de Peter I, the Great, descobri que ele era muito brincalhão. Ele escondia jatos de água pelo jardim e molhava seus convidados. Ráááááá! O Sérginho Malandro poderia ser Czar, se tivesse nascido em outro tempo. Gostei disso. Peter I foi quem trouxe a capital da Rússia para São Petersburgo. Essa área era da Finlândia e virou capital após ser conquistada. Peter I abriu a Rússia para a Europa ocidental. Outra coisa engraçada é que embora a Rússia esteja, em grande parte, na Europa, os Russos geralmente se referem a outros países Europeus, como Europa, mas não a si próprios. Lembrei que o mesmo pode acontece no Brasil com o Brasileiro "médio", como diria um professor de geopolítica. Sei que sou latino, mas sempre que ouço o termo latino, acho que estão falando dos países que se fala espanhol e não de nós, Brasileiros. A língua faz com que nós, brasileiro-médios, sintamos distantes dessa latinidade.

Voltamos de ônibus e comprei mais uma Matrioska. A "boneca" maior é John, dentro dele vem Paul, depois George, depois Ringo e, dentro de Ringo há um besouro, que nojo.

Jantamos, trabalhei um pouco e saí para passear, novamente com a Tatyana. Não desisti e sentamos em algum lugar próximo ao castelo, que fica em uma pequena ilha, que é aonde a cidade começou. Ficamos conversamos abraçados, quando ela me olhou de um jeito que nunca me olharam. Senti um frio, que começou nas pernas bambas, mesmo que estivesse sentado, e foi até a nuca, que se arrepiou. Tatyana é muito reservada e tem várias cascas. Quando não quer responder uma questão, fica em silêncio e quando pergunto novamente ela diz "Schto?" (O que?) e sorri. Ok, essa já entendi. Abracei-a forte e depois de algumas investidas, sem sucesso, disse: "O próximo passo é seu". Ela é uma Matrioska e esse comentário me revelou sua boneca interior. O que aconteceu? Time will tell.

Fui dormir às 5 horas.

Paká





11-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 10, não foi dessa vez.

Hoje o dia seria um pouco diferente. Logo depois das atividades comuns, como ginástica matinal e café da manhã, os jovens receberam uma palestra sobre resolução de conflitos.

O grupo foi dividido em pares. No primeiro exercício um dos jovens fecharia a mão e o outro tentaria abri-la usando qualquer meio possível. Todos dentro de um círculo imaginário e a brincadeira começou. Alguns se esforçam para abrir a mão do outro, enquanto o outro se esforça para não deixar isso acontecer. Mesmo sem nenhuma instrução explicita uma dupla não se agitava, mas negociaram e resolverem esse conflito. Essa dupla era formada por um garoto e uma garota e, inicialmente, o garoto era quem fechava a mão. Exercício terminado, então vamos fazer ao contrário, novamente, muito esforço de quase todos e o mesmo casal continuava conversando. Tempo esgotado e a garota não abriu a mão. O instrutor perguntou para todos como foi o exercício e a única coisa que o garoto respondeu é que "Essa mulher é muito difícil", não amigo, todas elas são.

O próximo exercício faria jus a qualquer programa de seleção de RH. Um avião caiu em um deserto. Você tem 15 itens para levar com você, itens como: Água, faca, óculos, lanternas, capas de chuva, cobertores, ... e Vodka. Cada um fez sua lista de prioridade, baseada nos itens disponíveis. Segunda parte do exercício. Sentem em pares e tentem montar uma lista em conjunto. OK, salvo algumas discussões tudo correu bem. Agora o grupo todo. São dezesseis adolescentes que falam, ao mesmo tempo, e querem coisas diferentes. Demorou um pouquinho e um, ou outro, ás vezes,  tinha que gritar alguma palavra de ordem. O divertido foi perceber que na lista dos meninos a Vodka estava entre os cinco últimos itens, mas nos das meninas estavam entre os cinco primeiros. E depois são os homens que bebem?

Logo depois do almoço, os adolescentes teriam aula de inglês e resolvi passear pelas redondezas. Não imaginava que estava tão próximo do centro. Passei pelo Aurora (Navio que anunciou que a revolução proletariado estava começando), continuei andando, observando, por algumas horas, e cansado voltei para o Hotel. No Hotel ainda tive tempo de conhecer o professor de Inglês. Alan, um inglês com cara de gringo (sacou?) e que morou um ano no Brasil. Não fala mais português, mas conhece um pouco de nossa música. Disse que saiu do Brasil porque era muito quente. Porra! saiu do Brasil porque é muito quente e vem para a Rússia? Bom, acho que esse é o humor inglês - Se for, não entendi a piada.

Hora do Jantar e como sempre, sentei-me com os instrutores e com alguns adolescentes. No final do jantar, começamos a falar sobre trivialidades e sobre as novelas brasileiras. Tudo bem, respondi o que poderia lembrar e fim do jantar. Assim que me preparava para subir para a última atividade do dia, com os jovens, fui convidado à mesa de uns colegas de trabalho. Aceitei o convite e sentei-me. Reparei que todos o três colegas da mesa riam muito, quase que histericamente, mas como havia acabado de me sentar, resolvi esperar a "poeira baixar", mas ela não abaixou. A primeira pergunta que foi feita a mim foi: "Você estava falando sobre cultura Brasileira com os instrutores? Estava discutindo as novelas Brasileiras?", e mais risos. Não quis ser mal educado e falei que, também, estava conversando sobre isso. Continuaram a rir e a fazer outras perguntas cretinas sobre o Brasil. E eu pensando: "Ok, até aonde isso vai? Porque que vou me estressar se o Brasileiro, aqui, esta aqui e sem pagar nada?". Lá pelas tantas acabei dizendo algumas, que resumidamente foi: "Para nós, brasileiros, na Rússia só tem bêbado!" Pronto! A atenção que queria. Reconheço que quando Czares russos já fornicavam por aqui, o Brasil nem havia sido descoberto e reconheço que ainda sei muito pouco sobre a Rússia. Temos estereótipos de todas as culturas e não me irrita quando ouço de um estrangeiro que "No Brasil ninguém trabalha e tem carnaval o ano todo". Para que vou me estressar. Respondo educadamente que essa informação é incorreta e puxo um papo sobre o Brasil. Sim, o Brasileiro festeja e pula carnaval? Sim e ainda bem, mas achar que só fazemos isso no Brasil é demais, não? Também votamos errado e temos memória curta, mas isso eu não conto para os gringos.

Perguntaram se iríamos fazer [no Brasil] um Summer Camp e se alguém da Rússia seria convidado. Eu disse que esperava que sim e que todos eram bem vindos, porém, uma colega dispara: "Mas para que?". Repondo que aparentemente para nada, já que é isso que estou fazendo por aqui. Levanto-me e vou ajudar os adolescentes.

Fui convidado para participar dessa primeira edição do Summer Camp, organizado pela filial Russa da multinacional em que trabalho. Gostei da idéia e nem parei para pensar sobre o que isso significava, já que, quase, toda experiência é válida. Não falo russo e não participei do desenvolvimento do projeto, mas sei me comunicar, quando quero. Vim para cá com o objetivo de fazer os adolescentes se divertirem e isso, posso dizer sem modéstia alguma, que estou conseguindo. Quase sempre sou citado nos mini-projetos deles e nos seus agradecimentos diários. Reparei que uma russa não gostou muito disso, mas não fiz a menor questão de evitar isso. Talvez por isso ouvi um "Mas para que ?". Mais tarde a pessoa responsável pelo projeto, e que estava na mesa, veio até mim e pediu desculpas. Eu? Estressar com isso?

Depois de desejar Boa noite aos adolescentes do meu grupo. Fui andar pela Margem do rio com Tatyana. Escovei os dentes, lavei a cara e lá fui eu. Levei uma blusa de lã, pois São Petersburgo é fria, á noite, e venta na maior parte do tempo. Tatyana estava com as mesmas calças jeans e camiseta do dia, como eu, e havia colocado uma blusa, como eu. Assim que chegamos a margem do rio, eu comecei o "ataque".

Desde que a vi, pela primeira vez, algo aconteceu. Nossos olhares se cruzam com uma boa freqüência (mas isso não impediu que eu errasse: Seus olhos são verdes - Mas parecem azuis), entre sorrisos e gostos em comum, descobertos nestes últimos dias.

Já sabia que ela fizera algumas viagens, pelo mundo, com o namorado, mas ainda não sabia se era o namorado o ex-namorado. Sem perder tempo, perguntei se alguém a esperava em Moscou e ela entendeu o que quis dizer. Fui além e perguntei quem. "Um homem", ela responde. Acho que o mundo girou um pouco mais rápido, naquela hora, pois senti meus joelhos dobrarem um pouco, sem que eu solicitasse. Ok Ok, calma! Provavelmente eu deveria recuar e falar sobre a vida como ela é e pensar na próxima. Mas como se faz isso quando você vê em um o que não vê nos outros? Ela é especial. Tatyana é de pouca fala, mas aqueles grandes olhos verdes dizem muito. Não recuei. Ela disse para irmos em direção ao Aurora. No meio do caminho, sentamo-nos na beira do Rio, juntinhos, enquanto admirávamos o Aurora e a luz da lua refletida na ondas feitas pelas pequenas embarcações. Abracei-a, pois, além de uma leve chuva friorenta ter começado, eu queria ficar mais próximo a ela. Ela permitiu.

Juntos, passei a falar sobre a vida no Brasil e da nossa poesia. Infelizmente a única poesia que poderia recitar é "Ismália" de Alphonsos de Guimarães, que pode até soar bonitinha aos ouvidos de quem, ainda, não fala português, mas quando fosse obrigado a traduzi-la, certamente destruiria o clima, pois alguém me diga quem iria querer ouvir sobre uma jovem louca que se matou? Música é poesia com ritmo e engatei cantando um "Samba da Benção" (Deus abençoe Vinicius de Morais) seguido por um "Preta Pretinha", que fez Tatyana se derreter toda nos meus Braços. Deus abençoe os novos e velhos baianos. Abracei-a ainda mais forte e deixei seu corpo o mais próximo que pude. A mão livre fazia cafuné e descobria a sua nuca, que logo seria coberta com alguns beijinhos. Ela aceitava, mas nada falava. Fui virando seu rosto e senti, seu nariz, gelado, em meu pescoço, depois nas minhas bochechas e, agora era hora, iria consumar o ponto, para o time dos meninos e ÁGUAAAAAAA! Tatyana virou o rosto e me abraçou forte.

Puta que o Paril!

Ficamos mais um bom tempo abraçados e conversamos. Voltamos para o Hotel, abraçados e calados. Ela entende, como eu, que devemos fazer o melhor que pudermos com o que sabemos. Eu fiz e ela fez. Antes de dormir, liguei o IPOD e fiquei ouvindo música até altas horas. Talvez tenha adormecido por volta das 3h.

Não sei.

Paká


10-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 9, Resolvendo conflitos.

Pensei que essa semana, com as crianças, seria tranqüila. Tenho alguns livros para ler e imaginei que os leria a noite no hotel, mas não é nada disso.

Na noite passada fui dormir às 3h30m e acordar às 7h00 não é fácil, mas vamos lá. Tomamos café e voltamos ao cliente que fôramos ao dia anterior. Hoje o dia seria mais prático e eu poderia participar um pouco mais das atividades. Logo que chegamos o dono da gráfica deu um pequeno curso sobre computadores Apple. Para muitos, era a primeira vez que viam um Mac. A apresentação foi toda automatizada. Um computador para cada dois adolescentes, mas a automação da apresentação só permitia que os adolescentes observassem o que o instrutor fazia. Era visível o desespero dos pequenos, que queriam colocar a mão no mouse e fazer a farra. Em um momento o instrutor, talvez por ter percebido a angústia juvenil, permitiu que "brincassem" um pouco. Em pouco tempo descobriram a câmera embutida no Mac e o software que a opera. Pronto! Haviam modernizado o espelho. Olhavam-se, dançavam para a câmera e se divertiam com os muitos efeitos disponíveis no Mac. Tirei muitas fotos, inclusive dos mais tímidos, que riam.

Foi feito um calendário com algumas fotos dos participantes e esse trabalho seria impresso na própria gráfica, enquanto os jovens estivessem por lá. E lá vamos todos, para mais um passeio pela gráfica. Acho que senti certo desapontamento quando foram informados que deveriam descer para o parque industrial, mesmo com as máquinas funcionando. Descemos e quando viram o que estava sendo impresso: Nossa! Todos correram para cima da impressora e tirei muitas e muitas fotos daqueles olhos curiosos.

Filosofia barata.

Qual foi a última vez que viram os olhos curiosos? Acho que a idade tira isso de alguns. Depois de um tempo, achamos que, tudo fica previsível. O casamento, os filhos, as primeiras palavras, as promoções no trabalho, os apertos financeiros, as viagens à praia, os pequenos acidentes, os muitos sorrisos, as saudades, as novas alegrias e as últimas palavras. O cotidiano dá e tira muito. Encontrar o ponto de vida e vivência não é trabalho para gente grande. Definitivamente não é trabalho para gente grande. Quando somos gente grande? Espero que ainda cultive um pouco desse olhar curioso. Não quero que tudo fique chato e previsível, mas sei que todo mundo procura o seu pote de ouro e isso por diversos caminhos, só porque não estão no mesmo caminho que o meu, não significa que estão perdidos.

Voltamos mais cedo e passamos em um parque. Curiosamente é o parque que há apenas dois dias houve um show do Rolling Stones. Já no ônibus, tive que agüentar sono enquanto discutíamos um produto para apresentarmos a noite. Faríamos uma brochura, desses como mapas dobrados, sobre turismo. Não sabiam o que fazer e sugeri que fizessem uma guia do hotel em que estávamos hospedados. Idéia aceita, mas o que escrever? Já que é para brincar de inventar, vamos criar. As mais bizarras histórias apareceram. Sabiam que o grande Ivan IV (ou terrível) foi assassinado em um dos quartos, isso mesmo, do quarto andar? E sua alma ainda volta, vez ou outra, para assombrar os hospedes que se recusaram a acreditar nisso? Além do mais, durante a II guerra, nos 18 meses que São Petersburgo ficou entre bombas e tiros,  muitos quadros raros, prata e ouro nos mais variados formatos ficaram estocados por aqui? E acham que é só isso? Foi aqui que os companheiros Bolcheviques fizeram o seminário que terminou na revolução de outubro que deu origem a URSS. Estão pensando que é pouco? Vladimir Putin, presidente da Rússia, já se hospedou aqui e disse: "Budocrátic" (algo como "serei breve"), eu recomendo.

Precisava dormir de qualquer jeito. No hotel, ainda tinha uns 18 minutos antes do jantar. Dormi. Foram os doze minutos com mais sonhos por R.E.M. que já tive. Escrever sobre os sonhos é difícil, mas em um deles eu era o guarda-costas do Roberto Carlos (El cantor) e ele morria. Bem, ele não morria. Existia uma teoria que ele havia fingido a própria morte e estava morando nos Estados Unidos. Hey, o nosso Rei é Rei até quando morre. Roberto Carlos e Elvis. Bem que algum DJ poderia fazer uma mixagem com esses dois. Seria um enorme sucesso.

Preparamos a brochura e apresentamos. Estava muito boa e com todas as histórias que inventamos... Eu digo, descobrimos sobre o Hotel. Chegamos a terceiro lugar, mas não afetou ninguém. Já no ritual de agradecimento, com as velas, senti-me triste: Foi a primeira vez que percebi que essa semana iria acabar. Como tudo na vida acaba.

Havia combinado que, depois da reunião dos instrutores, iria passear pelo rio com Tatyana, mas a reunião que iria durar quinze minutos acabou durando duas horas.

Bom, fica para amanhã. Vou dormir, já são, novamente, 2h00.

"Sou um passáro que vive avuando, vivo avuando sem nunca mais parar  ai ai ai ai saudade, não venha me matar"

Paká



09-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 8, SuperStar.

Como sempre, acordar não fácil. Depois de uma boa caneca de cerveja e das muitas atividades do dia anterior, eu estava quebrado. Acordei tomei um bom e não muito demorado banho com aqueles malditos chuveirinhos europeus. Ah!

Hoje seria um dia diferente. Hoje iríamos visitar uma gráfica russa. Entrei, no ônibus, distribuindo "Bom Dias" e sorrisos e logo reparei que algumas adolescentes haviam "reservado" um lugar para mim. Passei por elas e sentei-me no último banco, aquele central e agora teria quatro acentos livres (dois de cada lado). Vi que elas olhavam para mim com uma cara de "Ah... você deveria ter sentado aqui" e, independente disso, ás convidei para se sentarem ao meu lado. Elas se entre olharam e correram para o fundo do ônibus, comigo. Por sorte, sobrou um lugar, que seria logo ocupado por justamente quem me interessara no dia anterior. Não sei se realmente me importo com o que pensam sobre o parágrafo acima, mas digo isso: Alguém aí lembra quando eram mais jovens e aquele primo (a) mais velho (a) vinha em casa e ele (a) era a pessoa mais "cool" do recinto? A pessoa que estava rindo e brincando com a gente. É na idade que nossos pais já não olham mais quando gritamos "Paaaaiêêêê... Manhêêê, olha o que eu sei fazer", mas a única pessoa que olhava é o tal primo(a). É aquele ele entre o mundo adulto divertido e uma despreocupação infantil. Eu, aqui, sou o primo brasileiro, que não fala russo e que desperta curiosidade. Agora eu entendo como meu tio, que infelizmente faleceu há alguns meses, ou como outro amigo da família se sentiam.

Tatyana, ou Tânya, sentou no acento livre. Trazia aquele sorriso infantil, aqueles cabelos castanhos claros e aqueles grandes olhos azuis, que é típico das mulheres russas. Sentou olhou em volta e retribuiu meu sorriso. O sorriso dela foi lindo, mas o meu era de um babão que não sabia muito bem o que dizer. A viagem seria longa, pelo menos uma hora e meia e não demorou em conversamos sobre gostos em comum e etc. Tânya tem 23 anos e acabou de se formar em psicologia, o que eleva meu grau de interesse, ou receio (Acho que psicólogos são meio loucos). Ela, como eu, adora viajar. Já foi para China, Japão, Mongólia, Nepal e acredita que a próxima viagem será para o Brasil e depois para o Peru (Meio hippie, não?). Lá pelas tantas descobri que ela odeia as duas coisas que devem, sempre, ser odiadas: Relógios de pulso e guarda-chuvas. A comunicação, em inglês, é precária, mas nem me importo. Seguimos conversando até chegarmos à gráfica.

O treinamento, hoje, foi pesado e mais formal. As "crianças" aprenderam o que é um Business Plan e eu, que já não entendia, absolutamente, nada e agora é, ainda, pior. Tirei algumas fotos do passeio pela gráfica e como eles se divertiram em ver como uma guilhotina trabalha. Mal sabem eles que amanhã verão tudo em funcionamento e com suas fotos. Fomos almoçar em um restaurante que fica, a mais ou menos, uns 15 minutos, a pé, daqui. Estamos em uma pequena cidade próxima a São Petersburgo e aqui a beleza esta nas antigas construções castigadas pelo tempo. A impressão que tenho é que as casas foram construídas e deixadas à ação do tempo. Caminhamos por calçadas sem cimento até chegarmos à zona comercial da cidade. Andávamos em pequenos grupos, ora falando em inglês e ora em alemão. O restaurante era pequeno e romântico demais para a fome e ansiedade adolescente. Sentei-me na mesa com meu novo melhor amigo, Danich (Danila), Irina (Funcionária russa). Danich descobriu meu gosto por Beatles e muitas vezes olha para mim e começa cantar alguma música deles na esperança que eu cante junto. Até agora, sempre, com sucesso. Percebi que é muito comum tomar uma sopa antes das refeições e chá durante e depois. Já tomei várias sopas, mas a campeã, até agora é a de Borscha, que tomei no primeiro dia. Os garotos querem falar inglês, mas nem sempre consegue ou tem coragem. Voltávamos do almoço quando uma menina, timidamente, chegou a mim e disse que queria falar inglês, para praticar, mas que tem vergonha. Voltamos conversando sobre Harry Potter, Senhor dos Anéis, Timbaland e alguns de seus Hobbys, como ler filosofia, tocar piano e escrever poemas. Poxa, vida, e ela só têm 14 anos.

Voltamos para o cliente e mais algumas palestras foram feitas, enquanto eu passeava entre minhas fotos. Não demorou muito até que voltássemos para o Hotel, onde os garotos continuaram a discussão sobre o Business Plan para a empresa criada. Foi tudo em russo e não pude contribuir muito e o segundo lugar obtido foi resultado de um trabalho em equipe fantástico. Até quem era quietão, no grupo, estava trabalhando ativamente. Uma beleza. Comemoramos o segundo lugar como se fosse o primeiro. Quando voltamos para o quarto e compartilhamos nossos pensamentos do dia, era impossível não notar aquela alegria toda no quarto. Eles riam, se olhavam, falavam e riam novamente. Estavam desapontados pela colocação no dia anterior, mas estávamos, agora, no caminho certo. Fiquei muito feliz de eles gostarem de minha presença no grupo. Segundo eles: "É muito bom ter um brasileiro no grupo" ou "Quero ir para o Brasil, porque sei que os brasileiros têm censo de humor". Sim, queridos, humor até demais e nossos políticos também.

Quem vier a São Petersburgo nunca se deve esquecer de trazer uma simples coisa: Repelente. A noite anterior foi um perrengue só. Saímos (Instrutores), compramos repelente, café da manhã, cerveja e etc. Voltamos para o hotel e entre discussões sobre o dia, escolhemos algumas fotos para colocarmos no calendário 2008 sobre o evento. Quando voltei para meu quarto reparei alguns post-its na porta. Alguns dos jovens colocaram mensagens de boa noite nas portas dos instrutores. Parece-me que a Rússia e Brasil não são tão distantes assim.

Mais uma noite que dormirei muito pouco.

Paká






08-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 7, ele ainda existe.

Demorei a dormir e a noite foi de curtos cochilos, mas dormi bem. Acordei por volta das 5 da manhã, por uma mensagem em meu celular de uma amiga no Brasil. Voltei a dormir e por alguns minutos não perco o horário.

O combinado era sairmos do seminário e irmos tomar café no hotel em que passaremos a semana. Tudo correu bem e aqui encontramos mais alguns adolescente e outros instrutores. Ao todo são dezesseis adolescentes, dez meninas e seis meninos, e 12 instrutores. O número pode parecer alto, mas todo cuidado é necessário - Ainda mais porque sei o perigo que eu fui nessa idade. Ahhhh! Que saudades dos meus 15 anos e conseguia "me virar" com uma mesada de R$ 30,00. Bom, essa é outra história.

Tomamos café com todos. Reencontrei minha amiga, agora de volta da China, e estava meio perdido no meio de tantos jovens russos. As atividades da manhã, ou de hoje, eram focadas em Team Building. Ou seja, muitas atividades em grupo, como pequenas gincanas e papos em grupo. Não é todo mundo aqui que fala inglês, mas a maioria entende e isso já é um começo. Quando falei que a linguagem é um dos pilares da comunicação, eu estava certo. Como não posso confiar em meus ouvidos, sou obrigado a ler toda e qualquer expressão corporal/facial que tiver a sorte de ver. Infelizmente não sou mestre nisso e acho que é impossível entender tudo o que se passa. Sinto-me como Bill Murray no filme Lost in Translation. Quanto presto atenção sei o que esta acontecendo e tudo que passa a minha volta e, além disso, como não reparar na instrutora russa, que tem uma Nikon (máquina fotográfica)?

Depois dessas atividades, os jovens foram divididos em grupo e cada grupo estava encarregado de montar uma empresa. Na verdade apenas o nome da empresa, um slogan e um segmento do mercado gráfico que atuaria (embalagem, editorial e etc). Eu também entrei em um grupo, composto de quatro adolescentes (três garotas e um garoto) e três instrutores, comigo. Fomos para um quarto e fizemos um "Brainstorm" até chegarmos a um nome e slogan. Enquanto prestava atenção em tudo, sugeri algo que levou a escolha do nome da gráfica dos futuros gráficos. O nome escolhido foi "COLOURIZE" e sugeri o slogan: We colour your rise. É o melhor que um não-marketeiro consegue fazer. Os grupos foram reunidos, as empresas foram apresentadas e chegamos em quarto lugar, de quatro grupos. Senti certo desapontamento nos adolescentes, mas uma boa conversa sobre isso, que tivemos no final do dia, já apagou isso deles e até, aparentemente, os motivou.

O dia seguiu com diversas atividades em grupo, como: Danças, bate-papos, almoço, jantar e etc. A penúltima atividade foi a dança e todos esperavam um "show" de dança do brasileiro aqui. Como sei que "Hips don't lie", não fiz feio e me diverti com todo mundo. Os dois jovens não quiseram participar e adivinhem quais? Sim, os dois garotos do trem, mas eles já estão se mais colegas com todos os demais e, inclusive, dividem o quarto comigo e com outro funcionário russo.

Reunimo-nos, os membros do grupo, no quarto das garotas. A última atividade do dia consistia em acender uma vela e falar algumas palavras sobre o dia. Infelizmente só posso escrever o que disse e foi algo sobre a importância de estar aqui e como todos precisamos de um tempo sozinhos para pensar em nós mesmos e nos conhecermos. Falei que gosto de usar o momento em que me deito até o momento de dormir para pensar sobre o dia. Quando nos conhecemos somos pessoas melhores. Embora meu corpo estivesse cansado, minha cabeça não estava. Fui para o meu quarto e comecei a escrever. Sergey (funcionário da empresa que trabalho e que divido o quarto) disse que alguns funcionários iriam até a filial de São Petersburgo para trabalhar um pouco. Eu disse que ficaria por aqui e depois dormiria. Cinco minutos depois da saída de Sergey, Ekaterina me liga e diz: "Vamos? Vamos trabalhar e depois vamos tomar uma cerveja". Claro, que topei! Afinal, acho que não estava tão cansado assim.

São Petersburgo é linda. Completamente diferente de Moscou. É um Rio de Janeiro. Milhares de turistas passeiam pelas ruas admirando a arquitetura, igrejas, barcos, pontes, a fonte cantante (aquele lance que tem no lago do Ibirapuera) e etc. Pouco sei da cidade e sua história, mas como permanecerei por aqui alguns dias mais...

O escritório fica em frente de um, dos muitos, canais que existem em São Petersburgo. Trabalhar aqui deve ser muito gostoso. A vista dos barquinhos e a beleza do prédio já devem contar como adicionais trabalhistas. A vida não é só feita de diversão e fomos comprar o café da manhã das "crianças" para a manhã seguinte. Nada em especial, mas já eram mais de meia-noite e nem havia percebido. Esse céu verão, com sol até às 23 horas, engana. Compras feitas e fomos celebrar o primeiro dia treinamento. Paramos em um café-bar. A cidade fervia, percebi que havia muitos transeuntes vestidos como marinheiros e descobri que hoje era o dia da Marinha, por aqui. Não pude evitar imagina-los cantando sucessos do Village People em algum karaokê. Tomamos uma cerveja e fizemos o agradecimento da vela, que consiste de, também, passar a vela e agradecer, mas dessa vez seriam só alguns funcionários. De algum modo causei boa impressão aqui: mesmo sem falar uma boa frase, em russo. Voltamos para o Hotel por volta das 02h30, estou cansado, mas muito feliz com a experiência.


Cansado, mas ainda vivo.

Paká

07-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 6, a partida.

Acordei às 11 horas com o despertador tocando. Não estava bêbado e nem de ressaca. Acordei, fiz minhas malas, tomei um demorado banho, fiz check-out, almocei no hotel e esperei no lobby até ser apanhado por Pavla, a estagiária da República Tcheca. Enquanto esperava ouvi música. Ultimamente estou ouvindo muito à MPB. Gil, Caetano, Chico e os novos Baianos. Pergunto-me como não conheci Gil, antes, na fase Expresso 2222. A música Oriente é uma das melhores que já ouvi. Toda vez que ouço me arrepio.

Oriente

Se oriente, rapaz 
Pela constelação do Cruzeiro do Sul 
Se oriente, rapaz 
Pela constatação de que a aranha 
Vive do que tece 
Vê se não se esquece 
Pela simples razão de que tudo merece 
Consideração

Considere, rapaz 
A possibilidade de ir pro Japão 
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão 
Pela curiosidade de ver 
Onde o sol se esconde 
Vê se compreende 
Pela simples razão de que tudo depende 
De determinação

Determine, rapaz 
Onde vai ser seu curso de pós-graduação 
Se oriente, rapaz 
Pela rotação da Terra em torno do Sol 
Sorridente, rapaz 
Pela continuidade do sonho de Adão

Porém a frase que mais gosto esta na música Back in Bahia, também, da mesma fase: Hoje eu me sinto como se ter ido fosse necessário para voltar. Tanto mais vivo de vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá.

Pavlá chegou mais cedo e fomos para a estação de trem. Tomamos um café e ficamos batendo papo por quase 2 horas enquanto esperávamos o restante do grupo. Vou participar do 1. Summer Camp. Durará uma semana e o objetivo é mostrar á jovens, filhos de gráficos, entre 13 e 16 anos o que seus pais fazem no trabalho. É um investimento que terá resultados á longo prazo e é uma ótima experiência para mim. Pegamos o trem, eu, três funcionários e mais nove jovens. Logo no trem percebi que, talvez, teremos problemas com dois garotos. Não dei muita bola. O trem é muito confortável, a passagem custa em torno de US$ 70,00, mas que valem a pena, se você considerar que são 6 horas de viagem. A vista é única, pois existem muitas vilas russas pelo caminho. Não consigo descrever e não tirei fotos. Chegamos a São Petersburgo e um ônibus fretado nos levaria até um seminário católico, que passaríamos a primeira noite. Infelizmente não havia vagas no hotel que será realizado o Summer Camp. Tudo bem! Chegamos, nos acomodamos e fomos tomar um chá com sanduíche, antes de dormirmos. Propositalmente sentei do lado dos dois garotos. Eles não querem conversar comigo e não falam inglês. Eles se conhecem e nem precisam falar para se entenderem. Pavla teve um pequeno desentendimento, mas devagar chegaremos lá. Para eles, eu não entendo o que passa, mas acho que em pouco tempo quebrarei essa atitude rebelde adolescente, dos dois. Ainda temos uma semana pela frente.

Já é tarde, vou dormir.

Paká




06-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07


Dia 5, que sono.

Tirei o dia para relaxar. Acho que despertador tocou às 9 horas, mas ignorei-o e levantei lá pelas 11 horas. Acordei, bem atordoado, e se não estivesse em um lugar diferente, possivelmente dormiria mais um pouco, me assuntei e tratei de passear.

Conforme planejado fui até o museu da II guerra mundial. Cheguei lá por volta das 13 horas. Para se chegar até o museu o visitante, que vem do metro, percorre todo um longo trajeto pela praça da vitória. A vista é interessante e o percurso ainda mais. Olhando de longe é possível ver o obelisco, o museu, fontes, escadaria (parecida com aquela dos filmes Rocky Balboa) e etc. A praça deve ter uns 700 metros de comprimento. As fontes ficam a direita e logo na parte central percebi pequenos marcadores, em pedra, dos anos que a guerra durou, 1941 á 1945. Embaixo do obelisco pode-se ver uma gigante estátua de São Jorge matando o dragão, porém o mais interessante são as muitas noivas que tiram fotos por lá. Fotos na fonte, no dragão, na escadeira, com o museu ao fundo, com bouquet, sem bouquet, de véu, de grinalda ... e as vezes uma, ou outra, foto com o novo marido. Os vestidos de noiva são bem variados, inclusive algumas versões bem curtas, que bem que poderiam ser utilizados em qualquer clipe de cantoras pop dos anos oitenta e se não me engano já vi a Cindy Lauper usando algo assim. O museu estava vazio e isso ajudou muito. A visita é bem organizada e começa na parte de baixo do museu pelo pavilhão da lembrança e sofrimento. Lá existe uma estatua de um anjo segurando um soldado, pelos braços, mas para chegar lá tive que passar por um grande corredor com 2.600.000 correntes de colares penduradas no teto, simbolizando as lágrimas que rolaram pelas vítimas da guerra. Existem alguns dioramas que ajudam entender os campos de batalha. No andar superior estão objetos como armas, medalhas, uniformes e etc, alemães e dos aliados, em exposição.

Lembram que eu falei que já manjava tudo do metro, pois bem. Descobri que o metro de Moscou é um senhor que merece respeito. Quase me perdi hoje, mas deu tudo certo. Além da beleza, do metro, em suas paredes em mármore, lustres e etc, me deparei com músicos tocando música clássica em violinos. Em uma das paradas havia sete violinistas e um outro tocando um baixo. Até aí, não é nada demais, mas a acústica é perfeita. O tempo passava e eu ouvia música. Estava tocado pela música e pela quantidade de pessoas lendo livros no metro quando me deparei com uma cena nojenta. Um cara estava urinando em uma das colunas do metro, assim, na maior e com gente passando para lá e para cá. Bom, a necessidade é uma coisa, mas pera lá.

Voltei para o Hotel, meio de mau-humor, jantei uma pizza no restaurante do hotel e nem tentei falar em russo. Restringi-me ao máximo da educação. Jantei, deixei uma gorjeta e fui dormir um pouco, já que hoje sairia para conhecer a noite de Moscou.

Puta-que-o-paril, Moscou é foda!

Combinei com Nikolai de encontrá-lo às 10 horas em uma estação no centro de Moscou. Milagrosamente os telefones celulares funcionam muito bem por aqui, até com o trem em movimento. Quer falar? Sem problemas. Nikolai me disse que iríamos encontrar seu sobrinho, depois iríamos fazer um esquenta em um barzinho e depois para a “melhor balada” de Moscou. No dia anterior Nikolai já havia me informado que nessas baladas não se paga para entrar, mas existe um rigoroso "face control" e um "dress code". Sendo assim, estava bem vestido, como sempre e lindo e maravilhoso, como sempre. Encontramos seu sobrinho, que não fala inglês, e paramos em um café próximo á praça vermelha. Acho que saímos de lá bêbados. Bebemos duas tequilas, duas cervejas e duas sambucas. Sambuca, aparentemente, é um drink latino. Para fazer uma sambuca você precisará de: Dois Copos; Vodka com anis; alguns grãos de café, canudo, guardanapo, isqueiro e coragem. No primeiro copo, coloque a Vodka com anis, a seu gosto, e os grãos de café. Ateie fogo, gire o copo algumas vezes. Em seguida, derrame o conteúdo, em chamas, no segundo copo, abafe o segundo copo com o primeiro copo. Com os pulmões vazios, beba a vodka, espere alguns segundos e inale, com o canudo, o ar do primeiro copo, mas não se esqueça de manter o copo de ponta-cabeça. Pronto, assim que se prepara e bebe uma Sambuca. Repita a operação para um maior grau de embriaguez. Saímos do café e fomos, andando, até a praça vermelha, pois Pascha, o sobrinho de Nikolai, disse que a Praça Vermelha, à noite, é outro lugar. No caminho, passamos pelo teatro fundado por Stanislavsky e valeu a pena. Como já estávamos todos, levemente, embriagados, fui informado que deveria fazer na entrada da praça vermelha (atrás do museu) o ritual de retorno a Moscou. Existe um ponto dentro, de um círculo, no chão. Tive que pegar uma moeda, fazer um pedido e jogar para trás. Nem lembro o que pedi, mas acho que desejei voltar para Moscou novamente. Entrei na praça vermelha exatamente à meia-noite, pois os sinos anunciavam. Atravessamos a praça, em direção a catedral e eguimos até um pequeno mercado e compramos champagne barato e redbull para re-calibrar antes da balada. Chegamos a balada e no "face control", passamos tranquilamente e voilá, balada, aqui estamos. "Úrru, orra meu, a balada tava bombando, o som tava irado, as minas tavam muito lôcas a balada era insana, umas puta gostosa dançando ao som do DJ - Insano, mano". Nem lembro o que falei, me arranjei com uma russa, peguei, peguei o telefone dela, mas mal sabe ela que já era minha última noite. Lá pelas tantas, Nikolai, muito bêbado me puxa pelo braço e diz "John, lets go". Pegamos um táxi, eu, ele e Pascha e fomos para outra balada. Nem entramos, pois Nikolai não tinha condições e eu teria que acordar às 11 horas, fazer check-out e pegar o trem para São Petersburgo. Antes de ir embora, ainda conversei com uma outra russa, que cismou que eu não era brasileiro, mas sim Georgian, bom tanto faz. Hora de ir e como sempre, Nikolai parou o primeiro carro que passava, disse meu destino e acertou o preço. Pronto, estava a caminho do hotel.

Meu motorista era russo e falava pouco inglês. Era jovem e tinha um bom carro. Pelo que entendi, ele, também, saía de alguma balada. Fomos parados por policias duas vezes e em ambas às vezes olharam o porta-malas, cada parada não levava mais do que 2 minutos. Cheguei ao hotel, subi para meu quarto e essa foi minha última noite em Moscou, pelo menos, dessa vez.

Beba com moderação.

Paká.