29 julho 2007

05-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 4, ainda é difícil de entender.

Acordei, por volta das 9 horas, com uma vontade de continuar a dormir, como isso fosse alguma novidade, mas acordei mesmo assim. Hoje fui visitar o mausoléu de Lenin, fui de metro e até insisto em dizer que agora vou para qualquer lugar, em Moscou, de metro. Já entendi o esquema de cores e transferências e com  meu esquema de contar estações, já que é impossível entender a próxima estação nos avisos do maquinista, tem funcionado muito bem. Reparei na quantidade de câmeras que existem nas estações e nos funcionários, em sua aparência de aposentados, observando todo movimento na estação. É impossível não pensar que isso é um resquício comunista, como indicara George Orwell, em 1984 (O livro, não o ano.)

Cheguei á praça Vermelha, a fila, para visitar Lenin, já havia alcançado a praça Aleksander (uns 500 metros) e fui para o final da fila. Assim que cheguei, alguém se aproximou e perguntou se eu falava italiano, alemão ou francês. Antes que pudesse responder, ele foi informando, em inglês, que eu poderia furar a fila por um precinho, disse que era guia e que a espera na fila era de, pelo menos, duas horas. Agradeci e disse que não. Não vim de um lugar que furamos filas o tempo todo, apesar de adorá-las, para furar fila na Rússia. Iria aproveitar a espera forçada para tirar algumas fotos dos soldados, da praça e turistas. Mais tarde o mesmo guia voltou oferecendo, novamente, seus serviços e disse que podia organizar um grupo e que o preço cairia significativamente. Sem pestanejar, recusei. Quando estava quase chegando ao início, ou fim, da fila uma guia, bem mal-educada passou empurrando e seguida por um grupo de aproximadamente umas 20 pessoas igualmente mal-educadas. Todos chineses. Será que estamos trocando seis por meia-dúzia nessa coisa de potência mundial?

Existe um extremo sistema de segurança para visitar, á toque de caixa, a (eterna?) morada de Lenin. Máquinas fotográficas, celulares com câmeras embutidas e uma série de outros itens são terminantemente proibidos de passar pelo mausoléu. Tive que deixar tudo na chapelaria, por um preço justo. Imaginava que seria um tumulto daqueles passar pelo mausoléu, mas achei bem tranqüilo. Soldados indicam o caminho com gestos rápidos, entre pedidos de silêncio e olhadas ríspidas - Parecem robôs. O corpo de Lenin é exibido no nível inferior da entrada (e da praça vermelha) e depois do horário de visitação é baixado para uma câmara frigorífica que garante a mesma frescura por mais de 50 anos. A cada 18 meses o corpo é enviado para universidade de Moscou, onde recebe mais uma demão de cera e um banho de produtos químicos. O mausoléu é escuro, frio e tem um cheiro, pode ser psicológico, de morte. Por sorte, pude observar muito bem os restos mortais. Enquanto descia a primeira escada, percebi que uma velha senhora russa precisaria de um braço para descer as escadas e fui ajudá-la, sendo assim pude fazer, a passos idosos, todo o percurso. Dizem que Lenin esta encolhendo, mas a iluminação é baixa e a parte iluminada e descoberta só me permitiu enxergar suas mãos e cabeça. É estranho acreditar que aquilo é um corpo real e talvez não seja. Não duvido dos avanços médicos, mas o corpo parece o de uma boneca de plástico. É um corpo pálido que se custa a creditar autenticidade. A coisa mais estranha é a orelha, que esta cheia de cera (hohoho) e parece de plástico. Vou escrever um e-mail para o Ombudsman do mausoléu e pedir para que arrumem aquela orelha ou uma orelha melhor. Atrás do mausoléu encontra-se o tumulo de outros ex-lideres soviéticos, inclusive Stálin que logo após a sua morte foi mantido ao lado de Lênin, mas depois que seus crimes foram revelados em uma convenção do partido único comunista, foi removido e enterrado atrás do mausoléu. Dizem que o corpo de Stálin foi removido porque a mãe de alguém importante foi visitada, em sonho, por Lênin, e este disse que não queria dividir seu mausoléu com Stálin. Eu gosto mais da segunda versão.

Saí do mausoléu e peguei o metro para o museu da II Guerra Mundial, onde me encontraria com Nikolai. Infelizmente o museu estava fechado, pois sempre fecha na última quinta-feira de cada mês, para manutenção. Gostaria de agradecer o guia Lonely Planet por sua nona mancada. Encontrei Nikolai e fomos para o museu de arte da Rússia, onde se encontram as principais obras produzidas por artistas russos. Só me falta conhecimento para descrever o que vi. Existem quadros, esculturas bacanas e como em todos os museus, gente fazendo cara de sabichão, mas sem saber nada.

Fomos almoçar, novamente, em um restaurante Geórgio, mas dessa vez a sobremesa seria o papo político com Nikolai.

Quantos aí já tentaram entender o que é socialismo ou comunismo? Eu já e achava que sabia, mas quantos aí já tentaram entender como era a vida em um regime comunista? Eu já e achava que já sabia. Como é usar a mesma roupa que seus vizinhos tem? Usar a mesma TV, que todo mundo tem? Comer da mesma marca, que todos os parentes comem? E a lista vai ad infinitum. Tudo era produzido e propriedade do Estado. Os donos dos supermercados, por exemplo, recebiam mais pela função que desempenhavam, mas todo o lucro obtido ia para o Estado. Enquanto isso, quem não queria trabalhar, também levava um troco no final do mês. Nikolay disse que era tudo muito barato. Disse que todos eram iguais e, obviamente, o dinheiro não era tão importante. Podiam viajar, mas apenas dentro da URSS ou para outros países satélites. Devido à guerra fria, todo o lucro do estado ia para o desenvolvimento de material bélico. Imagine só, um povo que é capaz de produzir mísseis intercontinentais ou enviar pessoas ao espaço, mas não tem idéia do que é um videogame. A ignorância é, realmente, uma benção. Independentemente de sistema político, é interessante observar que se não fossem as comparações entre estes sistemas, possivelmente a URSS existiria até hoje. E o que temos agora? O melhor sistema, ou estamos em uma fase antes de voltarmos no tempo e começarmos tudo de novo? Darwin talvez pudesse ser aplicado, mas acho que os tempos imperiais estão de volta.

Estou procurando músicas russas. Já sei cantar Kalinka, mas quero algo mais. Sabem aquelas canções russas com acordeom e um ritmo de polca (É a única associação que consegui fazer), pois bem, sempre soube que aquilo era música russa e imaginava que eram músicas que se ouviam em festinhas e churrascadas, mas nada, aquele estilo musical é o rap deles. As letras falam sobre crimes, cadeias e a vida no crime, em geral. Esse estilo musical se chama rúski chanson, ou algo assim. Certo, mano?

Voltei para o hotel e pedi informação, no lobby, sobre como lavar minhas roupas, descobri que deveria falar com a moça responsável pelo meu andar e que ela lavaria, mas chegar a esta  informação tomou uns 10 minutos e diversas consultas ao guia de conversação. Foi extremamente válido e divertido. Só espero que minhas roupas voltem limpas. Assim que entrei no quarto o telefone tocou, era a Ekaterina, da China, querendo saber do meu dia e informar sobre a ida á São Petersburgo. Falamos por mais de uma hora, sobre trabalho, vida e viagens. Ela adora dizer que eu sou jovem e que certas coisas virão, para mim, com algum tempo e experiência, mas mal sabe ela.

Paká



2 comentários:

Julia Cotrim disse...

Que triste fim do Sr. Lênin... Será que ninguém poderia pelo menos emprestar um cotonete para ele?

Julia Cotrim disse...

Hmm... mal sabe ela dos seus planos!
Eu sei! haha