25 julho 2007

02-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 1, mas o mesmo dia.

Acordei por volta das 10 h, horário local, e por sorte havia fechado as cortinas antes de pegar no sono, pois o sol acabaria batendo no meu rosto. O quarto é quente. O termômetro indica 27 graus. Trato de arrumar minhas coisas. Presentes que trouxe, roupas e guias para o dia. Lembro que a hoteleira falou algo sobre café da manhã no 2. andar e lá vou eu. Como todo brasileiro, chego atrasado e já não há mais café e como todo brasileiro, pergunto para uma funcionária do hotel, em inglês, como quem não quer nada, sobre o café. Ela responde algo em russo e respondo que não falo russo, em russo, ela me indica a falar com outra pessoa. Um senhor que verifica meu RG do hotel, diz alguma coisa em russo, me dá as costas e enquanto ele retorna a sua conversa com outro senhor, comunica algo à outra funcionária. Pensei em ir embora, mas como não senti nenhum sinal hostil, resolvi esperar. Logo depois a funcionária traz uma sacola plástica com o meu café da manhã. “Spassiba”, agradeço e volto para meu quarto.

Devo esperar até às 13 h, pois hoje serei  acompanhado por um amigo de amiga russa: Nikolai ou, simplesmente, Nick. No lobby, sento-me no mesmo lugar onde de madrugada havia visto as três mulheres e sinto-me um pouco envergonhado por sugerir, no artigo anterior, uma profissão á elas. Menos um para você, companheiro. Enquanto espero, aproveito para ler meu guia e confirmo minhas suspeitas sobre o hotel. Realmente acomodação em Moscou é complicada e muitos hotéis são adaptações de antigas comunidades ou vilas olímpicas, que foram construídas para as olimpíadas de 1980. Nem era nascido e, mesmo assim, sei que as coisas mais antigas (OK, mais velhas) são melhores e isso se aplica a quase tudo, como Sérgio Reis já dizia.

Observo e espero. Um homem com pouco mais de 1,80 m e com cara de brasileiro vem até mim e balbucia que soa como schaun. "Nikolai?", pergunto. "Yes", responde. "Nice to meet you, how did you know it was me?", pergunto. "Ekaterina showed me a picture of you." Isso é tecnologia, não feitiçaria. Não tinha nenhum plano, mas pelas primeiras frases percebo que iremos almoçar.

Embora a Rússia seja muito burocrática, não demoro a entender que qualquer um é um taxista em potencial. Não sei se gosto muito dessa idéia, pois me lembro dos taxistas no Brasil e, sinceramente, classifico-os na mesma categoria dos motoboys e dos que movem esse país. O processo é simples, me explica Nikolai, pare na rua e estique o braço, se o carro parar, você comunica aonde quer ir e acerta o preço; é assim que chegamos em um restaurante tipicamente russo. Nikolai tem um sotaque que lembra um pouco o do comediante Sasha Baron-Cohen, quando interpreta Borat, mas ele se esforça em praticá-lo e isso é ótimo. Ele trabalha como editor de um programa político para um canal russo e logo penso que seria fácil tirar dele algumas informações sobre as questões políticas russas, mas essa é uma tarefa complicada. Esses russos sabem o que é boa comida e bebida. Enquanto me deliciava entre escargot com panquecas, sopa de borsch, língua de vaca com picles (Aqui vale um parênteses. Deixei a cargo do Nikolai a escolha do almoço e só dei como condição querer algo russo. Logo nas primeiras mastigadas senti uma textura diferente e tentei descobrir o que era aquilo, porém sem sucesso. Não pude evitar certo desconforto quando fui informado que era língua de vaca, mas isso dura pouco e sei que meus ancestrais nordestinos já comeram coisa pior. E isso sem contar os chineses.) e, quase, uma garrafa de vodka. Se não fosse a comida, certamente, estaria bêbado, acho que fiquei um pouco, mas sobrevivi. Para um russo, a vodka deve ser bebida pura e em doses, como tequila, mas ao invés de sal e pimenta, e depois de cada dose pede-se ao alcoólatra, em questão, cheirar um pão preto. Não entendi essa tradição, mas quem sou eu para discutir a sabedoria da mãe Rússia.

Depois do almoço fizemos um passeio de balsa pelo rio Moscou, que corta a cidade. Tirei muitas fotos, mas não gostei muito. Não gostei de meus enquadramentos e cores e agradeço por poder repetir tudo isso depois. Nikolai conhece muito sua cidade e descreve quais são as edificações que vemos e alguma história por trás dela, inclusive o grande monumento, em bronze, em homenagem a Cristóvão Colombo. Pois é, esse monumento teria sido um presente para os EUA, mas recusado ficou por aqui. Nikolai não vê sentido nele. O ponto alto do passeio é passar pela praça vermelha. Todos os olhos e câmeras são atraídos por aquela grande igreja, que lembra um bolo, da praça. Logo desembarcamos e podemos ver tudo isso de perto. Pokrovsky Catedral foi criada entre 1555 e 1561, pelo tzar Ivan, o terrível. Ela é símbolo máximo da arquitetura russa e, inegavelmente, um ícone russo. Na praça vermelha, que originalmente deriva de alguma palavra russa que significa belo, estão o Kremlin, o museu de história (isso é redundante, não?) e o pequeno, porém visitadíssimo, mausoléu de Lenin. Infelizmente o mausoléu não abre diariamente, mas amanhã, certamente, me exprimirei na fila para dar uma olhada nos restos mortais de Vladimir Lenin. Passeamos mais um pouco e logo depois de um café, passamos por um monumento ao grande, inigualável, insuperável, o pensador máximo das questões filosóficas, econômicas e nascido no mesmo dia e mês deste que vos escreve, Karl Marx. Um grande monumento que lembra sua tumba, em um cemitério em Londres, e com a inscrição, em russo, novamente a mesma encontrada em sua tumba, "Trabalhadores, de todas as nações, unam-se".

Continuamos o passeio pelas ruas de Moscou e fiz algumas compras, em particular, minha nova camisa predileta em que se pode ler com a mesma fonte da Nokia, a seguinte frase:

VODKA
Connecting people

Falando em conectar pessoas gostaria de dizer, que nunca vi tanta mulher bonita,  meu pai do céu, é uma melhor do que a outra e que as leitoras não me venham falar do tempero da mulher brasileira. Quanto potencial desperdiçado. Porque Deus dá asas para quem não pode voar? Onde estão os bandeirantes brasileiros? Vamos fundar a conexão Brasil x Rússia e vamos importar essa mulherada toda para o Brasil e vamos mudar a geo-política do mundo. Imagina só, se do jeito que está já exportamos a jogadores de futebol, cachaça e modelos, imagina com uma forcinha russa? Na onda das fontes de energia renováveis, em pouco tempo, exportaríamos vodka e cachaça, quem quiser usar como combustível usa e quem quiser usar para beber, bebe. Quero ver que segura o Brasiiiilll.

É, ou não é, uma graça?

Estou cansado, o jetlag me pegou e meus pés doem. O verão em Moscou é forte. Voltarei para o hotel de metro e já conhecia as histórias sobre quão interessante é o metro aqui, mas nenhuma história chega aos pés do que vi. Na estação que embarco noto muitas foices e martelos, em vermelho, dentro de louros. Sacou? Há catracas, mas sem barras, a escadas rolantes levam mais de 2 minutos para se chegar aos trilhos, não por lentidão, mas por profundidade. Todos que querem utilizar a escada rolante, como ela deve ser usada, postam-se a direita do degrau escolhido. Tinha que tirar uma foto daquela íngreme e profunda escada rolante, mas Nikolai não permite. Insisto e até digo que iria perguntar a policial responsável pela escada rolante e ele responde que preciso de uma autorização, em papel, para fazer isso. Logo depois ele diz que se eu não for pego, não tem problema, mas não quis entrar nessa discussão. Embora ainda tenha vontade de tirar algumas fotos no metro e não apenas da escada rolante, mas das paredes de mármore, dos candelabros com 7, ou mais, lâmpadas, dos trens e etc. Quem usa o metro é o trabalhador e, para um antigo sistema socialista, quem é, ou deveria ser, o elo mais importante do sistema todo? Aproveito o assunto para lançar a campanha "Lula, vai para Rússia", mas nada de esqueminha de pintar as ruas para o "hômi" passar e nada de honrarias de chefe de estado. Quem sabe assim, no perrengue, ele lembra de como era estar do lado de cá da urna. Ok Ok, vou me segurar para não fazer um discursinho político universitário (Tudo o que é universitário esta na moda, logo mais vocês ouvirão o sertanejo universitário - E não estou brincando). Sei que a Rússia não é um paraíso, mas o companheiro Putin tem 70% de popularidade, em média, e esta fazendo esse país crescer a taxas de 7%, ao ano, quando a taxa de crescimento mundial é de 4%. Enquanto isso o Brasil cresce a pouco menos de 4% e isso é comemorado como uma vitória. Sonho.

A Ekaterina, minha amiga russa,  esta na China, mas liga muito para cá. Ela esta preocupada e não quer que eu perambule sozinho por Moscou. Ela se sente responsável por mim e tem medo que eu me perca. Pede para que eu saia com o Nikolai e tome cuidado. Até entendo, mas poxa sou Brasileiro e adquiri certa malandragem de playboy nos shoppings de São Paulo. "Aí, tá tirãno, mano?". Não prometo nada, pois sei que as más surpresas se transformam em experiências. Claro que estou preocupado e se alguma coisa acontecer comigo e alguém ler isso, eu admito que a vida tem dessas coisas.

São quase 23 h e adormeço assistindo o TV Fama local. Mundo globalizado é uma coisa, viu?

Paká


2 comentários:

Julia Cotrim disse...

Hahaha... estou adorando os textos!

Só fiquei triste de saber que eu já tomei tanta Baikal nessa vida e nunca cheirei um pão preto.

Flavio Chan disse...

хорошее везение!