Dia 2, mas um dia.
Tive alguns sonhos ruins, essa noite. Eram sonhos curtos, mas com finais espantosos. Algo como: curtas de terror, mas sobrevivi a todos eles e acordava assustado. O último susto foi às 8 horas da manhã e o sol batia no meu rosto anunciando mais um dia de verão russo.
Tomei banho e corri para tomar o café da manhã, provido pelo glorioso hotel em que estou hospedado. Se não tivesse vontade de aprender o mínimo que seja de russo, acho que ficaria irritado em não conseguir me comunicar, em inglês, com os funcionários do hotel. Que bobagem. Sabe, meu russo tem melhorado a cada dia, se ficasse aqui mais três anos... No lobby, enquanto tentava descobrir a estação de metro mais próxima, fui indagado, em inglês, por uma senhora russa, que tinha um cartaz com o nome da empresa para qual trabalho, "Você trabalha aqui", enquanto apontava para o cartaz. Respondi que sim. Infelizmente esqueci o nome da senhora, mas lembro que é algo como Lúria. Ela será minha guia pelas próximas horas. Nosso motorista é russo e se chama Slava e tão logo é informado de minha nacionalidade ele me mostra um jornal e diz "Wagner Love, Harashón!". Não lembro o que respondi. Tentei lembrar de algum nome dos milhares de esportistas russos que ganharam medalhas nas diversas olimpíadas, mas nada. Hoje nosso roteiro é tranqüilo. Passearíamos por algumas ruas enquanto a guia me contava milhares de histórias sobre Moscou, entre elas à razão, ou umas das possíveis razões, para o nome Moscou. Disse-me que Moscou deriva da junção de duas palavras: Musgo e Sapo. Disse que aquela era uma região muito úmida, achei engraçado e porque não?
Passamos pelo museu da II guerra mundial, que provavelmente visitarei nos próximos dias. Depois fizemos uma parada na faculdade de Moscou e no mirante da cidade. Infelizmente todo conhecimento que adquiri durante a viagem não será colocado aqui, mas espero que sirva de convite para quem quiser conhecer a Rússia. Durante as paradas, tentava descobrir como era a vida nos tempos de URSS. Ela diz que pouco mudou e desviou o assunto, mas senti um pouco de nostalgia nos olhos dela. A próxima parada foi em um cemitério onde a nata intelectual, política, artística e etc russa esta enterrada. O primeiro tumulo a ser visitado ainda esta fresco (Que trocadilho bacana, não?) e é do ex-presidente Russo e embaixador da Vodka, o meu amigo: Boris Yeltsin. Continuamos o passeio pelo cemitério e pelas histórias da Rússia, como a de ministros, aviadores, músicos, bailarinas, militares, homenagem a mortos em guerras e a do ex-presidente russo: Nikita Khrushschev, que, em minha opinião merece lugar entre os maiores devido a sua postura na crise dos mísseis, em Cuba. Para quem não conhece a história, durante a Guerra Fria, Kruschschev enviou mísseis para Cuba afim de criar um enclave russo nas Américas, mas claro que o presidente americano, John F. Kennedy, embora os EUA tivessem diversos enclaves na Europa, não poderia permitir. Essa crise, por muito pouco, poderia esquentar a Guerra Fria. Durante as negociações, Khrushchev escreve (telex, em código) ao presidente americano: "Você e eu não deveríamos puxar os finais das cordas nas quais você deu um nó de guerra, porque quanto mais forte puxarmos, mais apertado esse nó se tornará. E virá o tempo em que esse nó será tão apertado que quem os atou não será mais capaz de desatá-los...porque você compreende as forças que nossos 2 países possuem". Porém a diplomacia permaneceu e as palavras abaixo, de Khrushschev, deram por fim o fim na crise dos mísseis de Cuba, ou a crise da Bahia dos Porcos:
“Estimado Senhor Presidente:
Eu recebi sua mensagem de 27 de outubro de 1962. Eu expresso minha satisfação e gratidão pelo senso de proporção e compreensão da responsabilidade nascida por sua presente preservação de paz no mundo..."
God save the Internet.
Continuamos o passeio e fomos ao Kremlin. O Kremlin é o começo da Rússia e seu o fim. Ali a história começou e é feita, mas não é sempre assim. A sede do governo russo fica ali, mas o impressionante são as igrejas e o quanto a religião foi e é poderosa. Igrejas com domos folhados a ouro e como Czares russos utilizaram esse instrumento. "A religião é o ópio do povo", como outro ministro soviético declarou, mas não o vejo assim. A religião é necessária. Ela consegue explicar o que não conseguimos entender e preenche os vazios que a ciência e nosso cérebro não têm condição, ainda, de entender. Fato interessante: nas igrejas católicas ortodoxas, além de uma arquitetura e pintura particular, percebi a ausência de bancos e de espaço para os possíveis fiéis. Minha guia disse que antigamente as pessoas ficavam de pé e haviam dois tronos; um para a mulher do czar e o outro para o chefe da igreja. Mas não é que Ivan, o terrível, (como era conhecido o Czar Ivan IV) mandou construir um trono para ele também e lembrar a igreja que ele era mais do que a igreja? Antigamente, isso antes de Príncipe Charles e Princesa Diana, eu pensava que os reis não podiam se casar mais de uma vez, mas não foi a coroa britânica a lançar essa moda. Na verdade, novamente, Ivan, o terrível, foi casado sete vezes. Ivan não tinha muita sorte. Toda vez que ele estava engatando um casamento, infelizmente, sua esposa morria envenenada ou era enviada para um convento. Muito triste.
A última igreja que visitei foi a do arcanjo Miguel (Acho que essa é a tradução correta). Lá, por sorte, ouvi uma apresentação de cântico gregoriano. Sempre achei que isso era música chata, mas depois gostei muito. Minha guia, enquanto assistia a apresentação, foi atrás de um guia de Moscou, em português, para mim. Não sei se isso estava incluso no preço, mas ganhei o tal guia de presente e ainda ganhei umas moedas da URSS que, segundo ela, não se acha em todo lugar. Ótimo presente para um internacionalista.
Querendo ou não, a Rússia já entendeu o lance do capitalismo. Vi alguns mendigos pedindo dinheiro aqui e ali e quando perguntei sobre o assunto a única resposta que tive foi: Coisas do capitalismo. Existem sócias de Lênin, por questões históricas e a de Putin, por popularidade, andando pela praça vermelha. Os senhores são requisitados, a todo tempo, a posarem em fotos com turistas e russos e ainda ganhar um troquinho.
Mais tarde dispensei minha guia e resolvi ir almoçar sozinho e depois voltaria para o hotel, de metro, sozinho e contrariando os pedidos de minha host russa voltei para o hotel de metro e sem problema algum. Não entendo nada o que é anunciado nos falantes, mas o mesmo acontece aí em São Paulo. Quem já não ouviu no metro a voz metálica que anuncia "Estação São kasdk..." e os passageiros perguntam: O que?
Voltando a falar sobre as futuras exportações brasileiras, esqueci de incluir na lista as nossas novelas, bom, não nossas; deles. Estava zapeando por alguns canais da TV russa e deparo com uns rostos conhecidos. Eram atores brasileiros, representando em uma novela brasileira, falando em português e dublado, grossamente (como naquelas traduções do Discovery Channel), para Russo. Infelizmente não reconheci a novela, mas no intervalo foi anunciado, em português, mas com um bom sotaque russo, outra novela brasileira e dessa vez entendi que era a “Belíssima”. Mais tarde, durante o jantar com uns colegas descobri que as novelas brasileiras fazem muito sucesso por aqui e muitas crianças são batizadas com nomes brasileiros, mas até agora não conheci nenhum João, mas a esperança...bom, já sabem.
Por volta das 18 h fui apanhado por duas funcionárias da filial russa [da empresa que trabalho] e fomos a um restaurante Uzbeque (?) não muito longe do meu hotel. Uma funcionária será responsável por análises de produção de clientes, algo como faço no Brasil, e a outra é uma estagiária da República Tcheca, que ficará aqui por seis meses. Falamos sobre trivialidades, as presenteei com algumas gravuras do Brasil e logo mais, eu e a estagiária, entraríamos em uma discussão sobre cultura e globalização. Ela é Tcheca e diz que quer ter e criar seus filhos na Rep. Tcheca e eu sou brasileiro (e não desisto nunca) e disse que quero criar meus filhos no Brasil, mas pensando no global. Ela quer manter as tradições, que foram passadas a ela, e repassa-las a seus filhos. Eu entendo essa vontade e por mais que me sinta Brasileiro, sei que vivemos em um mundo novo (se levarmos em consideração que a modernização tecnológica ocorrida nas últimas décadas, internet, criou uma disjunção entre tempo e espaço) e pensar global me ajuda entender que há diferenças no mundo e ponto. Infelizmente não é possível escrever muito sobre esse assunto, sem entrar em muitos outros, como filosofia, globalização, imperialismo cultural, antropologia e etc. Só posso dizer que foi uma animada conversa e inspiradora. Provavelmente, quando me aposentar e ir morar em Praga, terei muito que conversar com as jovens, Tchecas, aposentadas - Não necessariamente nesta ordem.
Eu, que adoro uma conversa pseudo-política-história-social, não pude evitar e aproveitando que um russo se juntou a nós, logo perguntei sobre a URSS e como os Tchecos se sentiam em relação ao terem sido um satélite soviético durante a URSS. Pude perceber que a nova geração não tem problemas com a Rússia, embora os pais da estagiária não quisessem que ela estagiasse na Rússia. Em um resumo grosseiro. Hoje em dia o "problema" dos jovens Tchecos é com a Alemanha. Desde 2004 a República Tcheca faz parte da União Européia e embora seja um Estado menor, dentro de um contexto maior europeu, eles crêem que tem muito menos autonomia que antes. Entendem que não tinham outra opção a não ser entrar na comunidade, mas não gostam dessa entrada brusca de capital alemão (Europeu?) na República Tcheca. Talvez essa fosse à motivação da conversa anterior, mas é impossível seguir muito tempo nesses papos, quando faz um calor danado e já estou na minha terceira, ou quarta, caneca de cerveja.
Paká
5 comentários:
João, como vc escreve bem cara!!!!! Adorei ler seu diário Vc deveria escrever livros. Acho que vc se sairia muito bem. Um abraço, Dainha
Escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho.
Mas tenha só 1 ou 2, por favor. 4 filhos é muita dor de cabeça pra uma pessoa só... hahaha
João сочинитель!
O Chan se emplgou mesmo no russo.
мой русский очень хорош. я выучил его ярлыки водочки чтения.
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