25 julho 2007

03-Diário Não-ficcional Rússia - Julho/07

Dia 2, mas um dia.

Tive alguns sonhos ruins, essa noite. Eram sonhos curtos, mas com finais espantosos. Algo como: curtas de terror, mas sobrevivi a todos eles e acordava assustado. O último susto foi às 8 horas da manhã e o sol batia no meu rosto anunciando mais um dia de verão russo.

Tomei banho e corri para tomar o café da manhã, provido pelo glorioso hotel em que estou hospedado. Se não tivesse vontade de aprender o mínimo que seja de russo, acho que ficaria irritado em não conseguir me comunicar, em inglês, com os funcionários do hotel. Que bobagem. Sabe, meu russo tem melhorado a cada dia, se ficasse aqui mais três anos... No lobby, enquanto tentava descobrir a estação de metro mais próxima, fui indagado, em inglês, por uma senhora russa, que tinha um cartaz com o nome da empresa para qual trabalho, "Você trabalha aqui", enquanto apontava para o cartaz. Respondi que sim. Infelizmente esqueci o nome da senhora, mas lembro que é algo como Lúria. Ela será minha guia pelas próximas horas. Nosso motorista é russo e se chama Slava e tão logo é informado de minha nacionalidade ele me mostra um jornal e diz "Wagner Love, Harashón!". Não lembro o que respondi. Tentei lembrar de algum nome dos milhares de esportistas russos que ganharam medalhas nas diversas olimpíadas, mas nada. Hoje nosso roteiro é tranqüilo. Passearíamos por algumas ruas enquanto a guia me contava milhares de histórias sobre Moscou, entre elas à razão, ou umas das possíveis razões, para o nome Moscou. Disse-me que Moscou deriva da junção de duas palavras: Musgo e Sapo. Disse que aquela era uma região muito úmida, achei engraçado e porque não?

Passamos pelo museu da II guerra mundial, que provavelmente visitarei nos próximos dias. Depois fizemos uma parada na faculdade de Moscou e no mirante da cidade. Infelizmente todo conhecimento que adquiri durante a viagem não será colocado aqui, mas espero que sirva de convite para quem quiser conhecer a Rússia. Durante as paradas, tentava descobrir como era a vida nos tempos de URSS. Ela diz que pouco mudou e desviou o assunto, mas senti um pouco de nostalgia nos olhos dela. A próxima parada foi em um cemitério onde a nata intelectual, política, artística e etc russa esta enterrada. O primeiro tumulo a ser visitado ainda esta fresco (Que trocadilho bacana, não?) e é do ex-presidente Russo e embaixador da Vodka, o meu amigo: Boris Yeltsin. Continuamos o passeio pelo cemitério e pelas histórias da Rússia, como a de ministros, aviadores, músicos, bailarinas, militares, homenagem a mortos em guerras e a do ex-presidente russo: Nikita Khrushschev, que, em minha opinião merece lugar entre os maiores devido a sua postura na crise dos mísseis, em Cuba. Para quem não conhece a história, durante a Guerra Fria, Kruschschev enviou mísseis para Cuba afim de criar um enclave russo nas Américas, mas claro que o presidente americano, John F. Kennedy, embora os EUA tivessem diversos enclaves na Europa, não poderia permitir. Essa crise, por muito pouco, poderia esquentar a Guerra Fria. Durante as negociações, Khrushchev escreve (telex, em código) ao presidente americano: "Você e eu não deveríamos puxar os finais das cordas nas quais você deu um nó de guerra, porque quanto mais forte puxarmos, mais apertado esse nó se tornará. E virá o tempo em que esse nó será tão apertado que quem os atou não será mais capaz de desatá-los...porque você compreende as forças que nossos 2 países possuem". Porém a diplomacia permaneceu e as palavras abaixo, de Khrushschev, deram por fim o fim na crise dos mísseis de Cuba, ou a crise da Bahia dos Porcos:

“Estimado Senhor Presidente:
Eu recebi sua mensagem de 27 de outubro de 1962. Eu expresso minha satisfação e gratidão pelo senso de proporção e compreensão da responsabilidade nascida por sua presente preservação de paz no mundo..."

God save the Internet.

Continuamos o passeio e fomos ao Kremlin. O Kremlin é o começo da Rússia e seu o fim. Ali a história começou e é feita, mas não é sempre assim. A sede do governo russo fica ali, mas o impressionante são as igrejas e o quanto a religião foi e é poderosa. Igrejas com domos folhados a ouro e como Czares russos utilizaram esse instrumento. "A religião é o ópio do povo", como outro ministro soviético declarou, mas não o vejo assim. A religião é necessária. Ela consegue explicar o que não conseguimos entender e preenche os vazios que a ciência e nosso cérebro não têm condição, ainda, de entender. Fato interessante: nas igrejas católicas ortodoxas, além de uma arquitetura e pintura particular, percebi a ausência de bancos e de espaço para os possíveis fiéis. Minha guia disse que antigamente as pessoas ficavam de pé e haviam dois tronos; um para a mulher do czar e o outro para o chefe da igreja. Mas não é que Ivan, o terrível, (como era conhecido o Czar Ivan IV) mandou construir um trono para ele também e lembrar a igreja que ele era mais do que a igreja? Antigamente, isso antes de Príncipe Charles e Princesa Diana, eu pensava que os reis não podiam se casar mais de uma vez, mas não foi a coroa britânica a lançar essa moda. Na verdade, novamente, Ivan, o terrível, foi casado sete vezes. Ivan não tinha muita sorte. Toda vez que ele estava engatando um casamento, infelizmente, sua esposa morria envenenada ou era enviada para um convento. Muito triste.

A última igreja que visitei foi a do arcanjo Miguel (Acho que essa é a tradução correta). Lá, por sorte, ouvi uma apresentação de cântico gregoriano. Sempre achei que isso era música chata, mas depois gostei muito.  Minha guia, enquanto assistia a apresentação, foi atrás de um guia de Moscou, em português, para mim. Não sei se isso estava incluso no preço, mas ganhei o tal guia de presente e ainda ganhei umas moedas da URSS que, segundo ela, não se acha em todo lugar. Ótimo presente para um internacionalista.

Querendo ou não, a Rússia já entendeu o lance do capitalismo. Vi alguns mendigos pedindo dinheiro aqui e ali e quando perguntei sobre o assunto a única resposta que tive foi: Coisas do capitalismo. Existem sócias de Lênin, por questões históricas e a de Putin, por popularidade, andando pela praça vermelha. Os senhores são requisitados, a todo tempo, a posarem em fotos com turistas e russos e ainda ganhar um troquinho.

Mais tarde dispensei minha guia e resolvi ir almoçar sozinho e depois voltaria para o hotel, de metro, sozinho e contrariando os pedidos de minha host russa voltei para o hotel de metro e sem problema algum. Não entendo nada o que é anunciado nos falantes, mas o mesmo acontece aí em São Paulo. Quem já não ouviu no metro a voz metálica que anuncia "Estação São kasdk..." e os passageiros perguntam: O que?

Voltando a falar sobre as futuras exportações brasileiras, esqueci de incluir na lista as nossas novelas, bom, não nossas; deles. Estava zapeando por alguns canais da TV russa e deparo com uns rostos conhecidos. Eram atores brasileiros, representando em uma novela brasileira, falando em português e dublado, grossamente (como naquelas traduções do Discovery Channel), para Russo. Infelizmente não reconheci a novela, mas no intervalo foi anunciado, em português, mas com um bom sotaque russo, outra novela brasileira e dessa vez entendi que era a “Belíssima”. Mais tarde, durante o jantar com uns colegas descobri que as novelas brasileiras fazem muito sucesso por aqui e muitas crianças são batizadas com nomes brasileiros, mas até agora não conheci nenhum João, mas a esperança...bom, já sabem.

Por volta das 18 h fui apanhado por duas funcionárias da filial russa [da empresa que trabalho] e fomos a um restaurante Uzbeque (?) não muito longe do meu hotel. Uma funcionária será responsável por análises de produção de clientes, algo como faço no Brasil, e a outra é uma estagiária da República Tcheca, que ficará aqui por seis meses. Falamos sobre trivialidades, as presenteei com algumas gravuras do Brasil e logo mais, eu e a estagiária, entraríamos em uma discussão sobre cultura e globalização. Ela é Tcheca e diz que quer ter e criar seus filhos na Rep. Tcheca e eu sou brasileiro (e não desisto nunca) e disse que quero criar meus filhos no Brasil, mas pensando no global. Ela quer manter as tradições, que foram passadas a ela, e repassa-las a seus filhos. Eu entendo essa vontade e por mais que me sinta Brasileiro, sei que vivemos em um mundo novo (se levarmos em consideração que a modernização tecnológica ocorrida nas últimas décadas, internet, criou uma disjunção entre tempo e espaço) e pensar global me ajuda entender que há diferenças no mundo e ponto. Infelizmente não é possível escrever muito sobre esse assunto, sem entrar em muitos outros, como filosofia, globalização, imperialismo cultural, antropologia e etc. Só posso dizer que foi uma animada conversa e inspiradora. Provavelmente, quando me aposentar e ir morar em Praga, terei muito que conversar com as jovens, Tchecas,  aposentadas - Não necessariamente nesta ordem.

Eu, que adoro uma conversa pseudo-política-história-social, não pude evitar e aproveitando que um russo se juntou a nós, logo perguntei sobre a URSS e como os Tchecos se sentiam em relação ao terem sido um satélite soviético durante a URSS. Pude perceber que a nova geração não tem problemas com a Rússia, embora os pais da estagiária não quisessem que ela estagiasse na Rússia. Em um resumo grosseiro. Hoje em dia o "problema" dos jovens Tchecos é com a Alemanha. Desde 2004 a República Tcheca faz parte da União Européia e embora seja um Estado menor, dentro de um contexto maior europeu, eles crêem que tem muito menos autonomia que antes. Entendem que não tinham outra opção a não ser entrar na comunidade, mas não gostam dessa entrada brusca de capital alemão (Europeu?) na República Tcheca. Talvez essa fosse à motivação da conversa anterior, mas é impossível seguir muito tempo nesses papos, quando faz um calor danado e já estou na minha terceira, ou quarta, caneca de cerveja.

Paká


5 comentários:

Dainha Nogueira disse...

João, como vc escreve bem cara!!!!! Adorei ler seu diário Vc deveria escrever livros. Acho que vc se sairia muito bem. Um abraço, Dainha

Julia Cotrim disse...

Escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho.
Mas tenha só 1 ou 2, por favor. 4 filhos é muita dor de cabeça pra uma pessoa só... hahaha

Flavio Chan disse...

João сочинитель!

Silvia Marcal disse...

O Chan se emplgou mesmo no russo.

Flavio Chan disse...

мой русский очень хорош. я выучил его ярлыки водочки чтения.